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Friday, January 28, 2011

Paixão: Uma conversa com o Prof. José Luiz Foureaux



Caro colega e amigo Zé Luiz Foureaux,
Obrigado pelo toque. Concordo com você: a poesia de Vinicius passa por muitas fases, mas as últimas são de uma simplicidade que, à primeira vista, engana, pois nelas o poeta se despe de pretensões eruditas. Porém, ele quase sempre carrega em si indagações que nos remetem a um dos maiores mistérios da condição humana, a paixão – a paixão (ou a inexplicável ausência dela) diante dos amigos, dos amores, dos familiares, da natureza, do álcool, do sexo, da comida, da poesia, da música, da arte em geral e de alguns outros hobbies; aliás, a mesma paixão desenfreada pela liberdade, pela adrenalina e pelo imponderável êxtase da própria paixão, e pela própria vida em si.
É como você mesmo disse: “a paixão é um universo vasto de referência cultural e existencial”. Tantos (mas tantos mesmo) são os seus elos com outras disposições, emoções, e motivações humanas, inclusive aquelas mais veneradas por uns, como a espiritualidade, ou mais prestigiadas por outros, como a razão! É curioso como que nem podemos genuinamente odiar nada ou ninguém se não for por causa de uma forma ou outra de paixão. Que loucura esse mistério humano, pois onírico como a própria demência, obscuro como a morte, poderoso como nosso instinto a preservar a vida, o que faz nosso coração bater até debaixo d’água, maravilhoso como o mais belo ocaso, e renovador como uma leve chuva de primavera.
Paixão é um mistério de muita seiva, que nos nutre e nos prende, que se agarra em nós como as raízes de árvores centenárias (visto aquela acima, que fotografei no Parque Inhotim de Belo Horizonte), mas é mistério também potencialmente assassino, como o fogo, embora na queima de uma paixão o “fogo” seja tantas vezes "bem-visto". Pode ser penosa e desconcertante a paixão, como a solidão, mas doce e irresistível como a jaboticaba de minha terra, Paraguaçu. Por tudo isso, suponho que a paixão seja mais ambivalente e contraditória que qualquer outra possível aventura nesse mundo. O legado de Vinicius me faz pensar desse modo, sem me redimir e sem me afastar dessa aventura. Muito pelo contrário.
*     *     *     *     *
O documentário é delicado e sensível. Sem apelo comercial gritante e sempre desnecessário. Consegue pintar um retrato abundante em detalhes e nuances do poeta, sem sensacionalismo. Houve um tempo em que não dava conta de ler Vinícius: ele era "pegajoso" demais para o meu cérebro pouco desenvolvido. Poeta do detalhe contundente e da nuance gritante, por mais antitéticas que estas características possam parecer. Há de se ter sensibilidade e delicadeza para apreciar suas imagens um tanto... obviamente inusitadas. Penso que ele se aproxima, em certo sentido, de Mário Quintana, pela aparente ingenuidade. Cada um na sua, claro. Estou na torcida pelo sucesso (que penso garantido) de seu seminário!

Paixão é universo vasto de referência cultural e existencial. Parabéns! -- JLF
Maria Bethânia tem um depoimento lindo sobre Vinícius num documentário rodado por um tal de Grachot ou GRanchot (Falha a memória visual do nome do francês). Gigantesca, a figura da bahiana. Delicada e ousada a imagem que ela faz do poeta. Vinícius não pode ser abordado com parâmetros estereotipados da "academia". Concordo com a "diva", ele é um poeta da "alma brasileira" (ênfase da cantora)! Evoé  -- JLF

Wednesday, January 26, 2011

Online Audiovisual Resources









Online Audiovisual Resources



5) Portal exclusivamente dedicado a Vinicius de Moraes, com links a seus livros e muitos outros textos on-line: http://www.viniciusdemoraes.com.br/  

4) Resumo da vida e carreira profissional de VM, na revista Língua Portuguesa
http://linguaportuguesa.uol.com.br/linguaportuguesa/gramatica-ortografia/27/artigo206955-1.asp 

3) Maria Bethania - MONÓLOGO DE ORFEU Dos versos mais lindos do Poetinha: http://www.youtube.com/watch?v=KUTiKPPDld4

2) Cenas de Vinicius (Documentario de Miguel Faria Jr)


Parte Um: http://www.youtube.com/watch?v=yxMe1FajTzk&feature=related
Parte Dois: http://www.youtube.com/watch?v=glRfkFY2r3Y&feature=related
Parte Tres: http://www.youtube.com/watch?v=EjPWhvyL_Rc&feature=related

1) Programa especial para TV, Mosaicos: A Arte de Vinicius de Moraes (TV Cultura, 2009)

Parte Um:
http://www.youtube.com/watch?v=xYBhS6Ej5D4

Parte Dois: http://www.youtube.com/watch?v=_fs_t6KXsuY&feature=related

Parte Tres: http://www.youtube.com/watch?v=UXFf0Yak7Os&feature=related

Parte Quatro: http://www.youtube.com/watchv=ywtS_8_e4NA&feature=related

Parte Cinco: http://www.youtube.com/watch?v=BI_f2Rp06as&feature=related

Syllabus for The Archeology of Passion


Syllabus for POR 630/730


Grad Seminar:

Archeology of Passion in Moraes

Prof. Dário Borim

Email: dborim@umassd.edu – Phone: 508.910-6609

Class Meetings: Tuesdays 3:30-6:00 PM – CVPA 101
Office: LARTS 398-K
Office Hours: Tue 11:12-30 PM, Wed 2:00-3:00 PM, Th 11:00-12:30 PM

Course Description
This course will examine cinematic, literary, musical, and theatrical representations of passion and romance in the works of Brazilian author Vinicius de Moraes (1913-1980). The theoretical framework will include studies from aesthetic, philosophical, and psychological perspectives.

Objectives
To enable students to critique and theorize about issues of passion in Moraes’ oeuvre, in particular, and about cultural perceptions and representations of that human attribute, in general.

Grading
Weekly reflections (5 questions and answers on 2-3 pp. per week, to be posted on http://www.apaixaoeopoeta.blogspot.com/): 20%
First paper, on theoretical issues of Passion (10-12 p.): 25%
Final paper (15-18 p.): 25%
Seminar: 20%
Class participation: 10%

Academic Dishonesty
The Department of Portuguese defines plagiarism in written assignments as submitting work that contains another author's words and/or ideas without proper acknowledgment (i.e. specific and complete bibliographic references for all direct quotes and paraphrased statements derived from outside sources). Citing sources at the end of an analytical or research paper is not enough. Quotation marks applied to direct quotes and other MLA style referencing tools and conventions must be in place within the main text of each paper. Students who hand in written work containing plagiarized material will be penalized by receiving a failing grade (zero points) for the assignment. The current UMass Dartmouth policy on academic integrity can be found at: http://www.umassd.edu/studenthandbook/academicregs/ethicalstandards.cfm.


Schedule of Activities
Jan 25: Introduction and preliminary debate over the nature of Passion and the lyrics of “Estranha forma de vida,” with Amália Rodrigues, by her and Alfredo Marceneiro; and “Coração vagabundo,” by and with Caetano Veloso; plus “Convince Me,” by Joyce and Robin Goldsby, and “Samba do grande amor,” by Chico Buarque, both with Joyce Moreno.

Feb 1: NB, Meeting at LArts 208, Language Lab for Vinicius (documentary by Miguel Faria Jr.)

Feb 8: Castello (Vinicius de Moraes: O poeta da paixão)

Feb 15: Calligaris (please see links in the posting "Contardo Calligaris," the oldest of this blog), Lebrun, Chaui, and Pessanha

Feb 22: No class (Follow Monday schedule)

Mar 1: Leminski, Freire, Nunes, Ribeiro, and Wisnik

Mar 8: Moraes (Nova antologia poética)

Mar 15: No class (Spring Break)

Mar 22: Moraes (Nova antologia poética)

Mar 29: NB: Meeting at LArts 208, the Language Lab, scenes from the feature movies Orfeu and Orfeu Negro. Moraes (Teatro em versos). First paper due.

April 5: Moraes (Livro de letras)

April 12: Moraes (Livro de letras)

April 19: Ferraz and other critics

April 26: First draft of second paper due, Seminars

May 3: Seminars

May 10 Seminars

May 17: Seminars. Second paper’s final version due.


Bibliography

Titles available at the campus bookstore:

Castello, José. Vinicius de Moraes: o poeta da paixão/uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
Ferraz, Eucanaã. Vinicius de Moraes. São Paulo: Publifolha, 2008.
Moraes, Vinicius de. Livro de letras. Ed. José Castello. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
-------. Nova antologia poética. Ed. Antonio Cicero and Eucanaã Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
-------. Teatro em versos. Ed. Carlos Augusto Calil. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

Other titles:

Chaui, Marilena. “Sobre o medo.” Novaes 33-83.
Frank, Robert H. Passions with Reason: The Strategic Role of Emotions. New York/London: W.W. Norton, 1988.
Freire, Roberto. Ame e dê vexame. São Paulo: Clacyko, 1987.
Lebrun, Gérard. “O conceito da paixão.” Novaes 12-32.
Leminski, Paulo. “Poesia: a paixão da linguagem.” Novaes 322-350.
Lyons, William. Emotion. New York: Cambridge UP,1980.
Moldoveanu, Mihnea C., and Nitin Nohria. Master Passions: Emotion, Narrative, and the Development of Culture. Cambridge, MA: MIT Press, 2002.
Moraes, Vinicius de. Jardim noturno: poemas inéditos. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
-------. Querido poeta: correspondência de Vinicius de Moraes. Ed. Ruy Castro. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
--------. Samba falado: crônicas musicais. Rio de Janeiro: Azougue, 2008.
Novaes, Adauto, ed. Os sentidos da paixão. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
Nunes, Benedito. “A paixão de Clarice Lispector.” Novaes 307-321.
Nussbaum, Martha C. Upheavals of Thought: The Intelligence of Emotions. New York: Cambridge UP, 2008.
Pessanha, José Américo Motta. “Platão: as várias faces do amor.” Novaes 83-114.
Ribeiro, Renato Fanine. “A paixão revolucionária e a paixão amorosa em Stendhal.” Novaes 477-499.
Siskin, Clifford. The Historicity of Romantic Discourse. New York: Oxford UP, 1988.
Wisnik, José Miguel. “A paixão dionisíaca em Tristão e Isolda.” Novaes 221-260.

Clarice Lispector entrevista Vinicius de Moraes



Mulher, Poesia, Música
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"Detesto tudo que oprime o homem, inclusive a gravata." -- VM
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- Vinicius, acho que vamos conversar sobre mulheres, poesia e música. Sobre mulheres porque corre a fama de que você é um grande amante. Sobre poesia porque você é um dos nossos grandes poetas. Sobre música porque você é o nosso menestrel. Vinicius, você amou realmente alguém na vida? Telefonei para uma das mulheres com quem você casou, e ela disse que você ama tudo, a tudo você se dá inteiro: a crianças, a mulheres, a amizades. Então me veio a idéia de que você ama o amor, e nele inclui as mulheres.

- Que eu amo o amor é verdade. Mas por esse amor eu compreendo a soma de todos os amores, ou seja, o amor de homem para mulher, de mulher para homem, o amor de mulher por mulher, o amor de homem para homem e o amor de ser humano pela comunidade de seus semelhantes. Eu amo esse amor mas isso não quer dizer que eu não tenha amado as mulheres que tive. Tenho a impressão que, àquelas que amei realmente, me dei todo.
- Acredito, Vinicius. Acredito mesmo. Embora eu também acredite que quando um homem e uma mulher se encontram num amor verdadeiro, a união é sempre renovada, pouco importam as brigas e os desentendimentos: duas pessoas nunca são permanentemente iguais e isso pode criar no mesmo par novos amores.
- É claro, mas eu ainda acho que o amor que constrói para a eternidade é o amor paixão, o mais precário, o mais perigoso, certamente o mais doloroso. Esse amor é o único que tem a dimensão do infinito.
- Você já amou desse modo?
- Eu só tenho amado desse modo.
- Você acaba um caso porque encontra outra mulher ou porque se cansa da primeira?
- Na minha vida tem sido como se uma mulher me depositasse nos braços de outra. Isso talvez porque esse amor paixão pela sua própria intensidade não tem condições de sobreviver. Isso acho que está expresso com felicidade no dístico final do meu soneto "Fidelidade": "que não seja imortal posto que é chama / mas que seja infinito enquanto dure".
- Você sabe que é um ídolo para a juventude? Será que agora que apareceu o Chico, as mocinhas trocaram de ídolo, as mocinhas e os mocinhos?
- Acho que é diferente. A juventude procura em mim o pai amigo, que viveu e que tem uma experiência a transmitir. Chico não, é ídolo mesmo, trata-se de idolatria.
- Você suporta ser ídolo? Eu não suportaria.
- Às vezes fico mal-humorado. Mas uma dessas moças explicou: é que você, Vinicius, vive nas estantes dos nossos livros, nas canções que todo mundo canta, na televisão. Você vive conosco, em nossa casa.
- Qual é a artista de cinema que você amaria?
- Marilyn Monroe. Foi um dos seres mais lindos que já nasceram. Se só exisitisse ela, já justificaria a existência dos Estados Unidos. Eu casaria com ela e certamente não daria certo porque é difícil amar uma mulher tão célebre. Só sou ciumento fisicamente, é o ciúme de bicho, não tenho outro.
- Fale-me sobre sua música.
- Não falo de mim como músico, mas como poeta. Não separo a poesia que está nos livros da que está nas canções.
- Vinicius, você já se sentiu sozinho na vida? Já sentiu algum desamparo?
- Acho que sou um homem bastante sozinho. Ou pelo menos eu tenho um sentimento muito agudo da solidão.
- Isso explicaria o fato de você amar tanto, Vinicius.
- O fato de querer me comunicar tanto.
- Você sabe que admiro muito seus poemas, e, mais do que gostar, eu os amo. O que é a poesia para você?
- Não sei, eu nunca escrevo poemas abstratos, talvez seja o modo de tornar a realidade mágica aos meus próprios olhos. De envolvê-la com esse tecido que dá uma dimensão mais profunda e conseqüentemente mais bela.
- Reflita um pouco e me diga qual é a coisa mais importante do mundo, Vinicius?
- Para mim é a mulher, certamente.
- Você quer falar sobre sua música? Estou esperando.
- Dizem, na minha família, que eu cantei antes de falar. E havia uma cançãozinha que eu repetia e que tinha um leve tema de sons. Fui criado no mundo da música, minha mãe e minha avó tocavam piano, eu me lembro de como me machucavam aquelas valsas antigas.
- Meu pai também tocava violão, cresci ouvindo música. Depois a poesia fez o resto. (Fizemos uma pausa. Ele continuou:)
- Tenho tanta ternura pela sua mão queimada... (Emocionei-me e entendi que este homem envolve uma mulher de carinho.) Vinicius disse, tomando um gole de uísque:
- É curioso, a alegria não é um sentimento nem uma atmosfera de vida nada criadora. Eu só sei criar na dor e na tristeza, mesmo que as coisas que resultem sejam alegres. Não me considero uma pessoa negativa, quer dizer, eu não deprimo o ser humano. É por isso que acho que estou vivendo num momento de equilíbrio infecundo do qual estou tentando me libertar. O paradigma máxima para mim seria: a calma no seio da paixão. Mas realmente não sei se é um ideal humanamente atingível.
- Como é que você se deu dentro da vida diplomática, você que é o antiformal por excelência, você que é livre por excelência?
- Acontece que detesto tudo o que oprime o homem, inclusive a gravata. Ora, é notório que o diplomata é um homem que usa gravata. Dentro da diplomacia fiz bons amigos até hoje. Depois houve outro fato: as raízes e o sangue falaram mais alto. Acho muito difícil um homem que não volta ao seu quintal, para chegar ou pelo menos aproximar-se do conhecimento de si mesmo.
- Como pessoa, Vinicius, o que é que desejaria alcançar?
- Eu desejaria alcançar outra coisa. Isso de calma no seio da paixão. Mas desejaria alcançar uma tal capacidade de amar que me pudesse fazer útil aos meus semelhantes.
- Quero lhe pedir um favor: faça um poema agora mesmo. Tenho certeza de que não será banal. Se você quiser, Menestrel, fale o seu poema.
- Meu poema é em duas linhas: você escreve uma palavra em cima e outra embaixo porque é um verso. É assim: Clarice Lispector. Acho lindo o teu nome, Clarice.
- Você poderia me dizer quais as maiores emoções que já teve? Eu, por exemplo, tive tantas e tantas, boas e péssimas, que não ousaria falar delas.
- Minhas maiores emoções foram ligadas ao amor. O nascimento de filhos, as primeiras posses e os últimos adeuses. Mesmo tendo duas experiências de quase morte - desastre de avião e de carro - mesmo essa experiência de quase morte nem de longe se aproximou dessas emoções de que te falei.
- Você se sente feliz? Essa, Vinicius, é uma pergunta idiota, mas que eu gostaria que você respondesse.
- Se a felicidade existe, eu só sou feliz enquanto me queimo e quando a pessoa se queima não é feliz. A própria felicidade é dolorosa.
Meditamos um pouco, conversamos mais ainda., Vinicius saiu. Então telefonei para cada uma das esposas de Vinicius.
- Como é que você se sente casada com Vinicius?
Ela respondeu com aquela voz que é um murmúrio de pássaro:
- Muito bem. Ele me dá muito. E mais importante do que isso, ele me ajuda a viver, a conhecer a vida, a gostar das pessoas.
Depois conversei com uma mocinha inteligente:
- A música de Vinicius, disse ela, fala muito de amor e a gente se identifica sempre com ela.
- Você teria um 'caso' com ele?
- Não, porque apesar de achar Vinicius amorável, eu amo um outro homem. E Vinicius me revela ainda mais que eu amo aquele homem. A música dele faz a gente gostar ainda mais do amor. E "de repente, não mais que de repente", ele se transforma em outro: e é o nosso poetinha como o chamamos.

Eis pois alguns segredos de uma figura humanagrande e que vive a todo risco. Porque há grandeza em Vinicius de Moraes.
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Vinicius

Dário Borim Jr
dborim@umassd.edu

Vinicius é um documentário que muito me impressiona pela sua formosura poética. Também me faz questionar o papel das paixões românticas e do amor desenfreado pela vida. Para aqueles que ainda não o viram, digo e suplico: que o vejam o quanto antes. Aliás, quem já o viu somente uma vez deveria assistir-lhe de novo. Suas lições precisam ser reforçadas. Dirigido por Miguel Faria Jr e lançado em 2005, o filme se abre com as palavras saudosas do Braguinha. Era assim que Vinicius chamava o queridíssimo cronista Rubem Braga, seu grande amigo. Naquelas cenas iniciais do documentário Rubem Braga se dirige diretamente ao amigo morto acerca da chegada da primeira primavera numa Ipanema sem Vinicius de Moraes. Logo a seguir, surge uma vista aérea daquela praia encantada e ouve-se uma belíssima interpretação de “Se todos fossem iguais a você”, a pioneira canção composta pela genial dupla Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Quem canta é o paulista Renato Braz.

Cantor, compositor, diplomata, dramaturgo, letrista e poeta, Vinicius de Moraes (1913-1980) foi um descendente direto na linha de Xangô (saravá!), o orixá deus-rei do trovão, o justiceiro filho de Iemanjá. Educado nas melhores escolas do Rio de Janeiro no início do século XX, ele posteriormente estudou literatura na Universidade de Oxford, onde se inteirou, mais rigorosamente, da lírica inglesa. Depois de ingressar no mundo formal, prestigioso e bem pago da diplomacia, e de publicar alguns volumes de poesia bastante tradicional, esse carioca, para si mesmo “o branco mais preto do Brasil”, descobriu que o prazer maior da sua vida profissional tinha outro endereço: o domínio da música popular. Passou a escrever poemas que se encaixavam em melodias elaboradas por grandes nomes, tais como Carlos Lyra e Baden Powell. Também cedeu sonetos e outras criações poéticas para compositores que lhes cobrissem de sons e harmonias, como Tom Jobim e Toquinho.

Diga-se, de passagem, que escrever letra de música não é para qualquer um não. Tem que ser poeta e um pouquinho mais. Tem que ter ouvido de músico e conhecimento instintivo ou adquirido de nuances musicais. No fundo, Vinicius foi um grande poeta e um grande compositor. Sem parceria nenhuma, escreveu maravilhas como “Valsa de Eurídice” e “Pela luz dos olhos teus”. Vale a pena recordar alguns versos: “Quando a luz dos olhos meus / E a luz dos olhos teus / Resolvem se encontrar / Ai que bom que isso é meu Deus / Que frio que me dá o encontro desse olhar”. Porém, para se atingir a mais completa magia, é preciso suscitar maior sedução por meio de um falso desapego. Por isso o poeta pondera: “Mas se a luz dos olhos teus / Resiste aos olhos meus só p'ra me provocar / Meu amor, juro por Deus, me sinto incendiar”.

Pode-se inferir uma pequena dose de humor nesse “incêndio” de amor, e a vida de Vinicius realmente se desenvolveu em torno de uma série de fogueiras da paixão. Casou-se nove vezes, por exemplo. Suas esposas podiam ser de idades próximas às suas em diversas fases da vida, ou podiam ser 40 e poucos anos mais jovens. Naquela pioneira canção escrita com Tom o poeta proclamava, “Vai tua vida, teu caminho é de paz e amor / A tua vida é uma linda canção de amor / Abre os teus braços e canta a última esperança / A esperança divina de amar em paz”. A vida de Vinicius que nos mostram os roteiristas Miguel Faria Jr e Diana Vasconcelos foi uma constante busca por amar, sempre amar. A paz, porém, nunca lhe foi duradoura. A cada vez que sua paixão se esmorecia, ele sofria, e sofria muito. Como é de se imaginar, também fazia os outros sofrerem: a esposa do momento, os filhos, os parentes, e certamente alguns amigos.

O turbilhão amoroso de Vinicius não tinha fim e por isso o poeta foi acusado de depravação e outras “imoralidades”. Ele certamente viveu como muitos poetas gostariam de viver. Pouquíssimos deles o fizeram, entretanto, como bem observa Carlos Drummond de Andrade em certo momento do filme. Vinicius foi leal a si mesmo, à sua necessidade de sempre estar apaixonado, para que junto a um copo de uísque e aos amigos do peito, sua vida tivesse sentido. Longe deles, isto é, da paixão sem limites, daquele a que chamou de “cachorro engarrafado”, ou dos parceiros da música e da poesia, Vinicius de Moraes era um homem triste. Porém, bastava um de esses insumos dar força a seu vaso de flores, que seu rosto era só sorrisos e sua mão escrevia preciosidades do amor demais.

“Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura”, escreveu Guimarães Rosa, mas poderia ter sido Vinicius. Por seu amor à vida e à alegria e por seus extasiados e frustrados amores lhe devemos a graça de sua obra, um elogio à loucura, se loucura for viver intensamente a vida, doa a quem doer, inclusive ao louco amante. O próprio Vinicius resume sua sina em “Como dizia o poeta”, de parceria com Toquinho: “Quem já passou por essa vida e não viveu / Pode ser mais, mas sabe menos do que eu / Porque a vida só se dá pra quem se deu / Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu”.
Quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Cartas de Vinicius

Dário Borim Jr.
dborim@umassd.edu
Para minha surpresa, já me perguntaram se também gosto de livros. Isso porque algumas pessoas se impressionam com o meu amor pela música, apesar de não ser músico, enquanto ganho a vida como professor de literatura. Paradoxalmente é assim mesmo que me justifico: é de tanto amor por música, e de tão pouca paciência para absorvê-la através do lento aprendizado de um instrumento, que nunca fui além de um curso de teoria musical em Belo Horizonte nos anos 70.

Adoro cantar, um prazer imediato, apesar de minhas limitações. Mas gostaria mesmo é de aprender a tocar piano em um mês, ou violão em 15 dias. Não dá, não é tia Selma? Do mesmo modo como eu canto, meu amor por literatura também me dá recompensa imediata, tanto na hora de ler quanto na de escrever. Neste caso, gosto mesmo é do processo, e não sinto impaciência nenhuma diante do tempo que possa transcorrer até que algo meu seja publicado ou até que a última página de um livro seja virada. Aliás, meu longo prazer ao escrever não se compara nem mesmo ao efêmero encanto que tenho ao ver minhas palavras inscritas num blog, jornal, livro ou revista. Pra ser sincero, muitas vezes nem gosto de me vê-las ali. Passo os olhos e prossigo com meus afazeres.

Não posso reclamar: apesar de minhas distintas atitudes em relação a elas, amo-as ambas, igualmente, e por isso música e literatura se fundem na minha vida pessoal e profissional. Nesses últimos meses tenho dedicado parte do meu tempo à preparação para um seminário que darei no Programa de Pós-Graduação em Estudos Luso-Afro-Brasileiros da Universidade de Massachusetts Dartmouth. Chama-se “Arqueologia da Paixão em Vinicius de Moraes”. Naturalmente ali se combinam o cancioneiro e a poética de um dos grandes nomes da cultura brasileira. Para ministrar tal curso tenho lido vários volumes que incluem a biografia, poesia, o teatro, a música, e as crônicas do Poetinha.

A obra que iniciei hoje, entretanto, é Querido poeta: correspondência de Vinicius de Moraes (Companhia das Letras, 2003). Trata-se de um tipo leitura que me diverte e me fascina: uma coletânea organizada por Ruy Castro com mais de 200 cartas — ou do Poetinha ou para ele redigidas em mais de meio século. Para o deleite dos interessados, elas foram cedidas por parentes e amigos e arquivadas junto à Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro. Entre muitas outras revelações, essas cartas expõem um Vinicius de Moraes que pouco se encontra na sua obra poética: o diplomata, o pai, o filho, o irmão e o esposo.A primeira carta reproduzida foi escrita pelo Poetinha a sua mãe, d. Lydia, quando ele tinha 19 anos. Conta de uma viagem a Itatiaia, cidade na região serrana do estado do Rio de Janeiro, hoje em dia, mais uma vez, tão tragicamente castigada pelas chuvas. E já chovia muito por lá em novembro de 1932 (quase 80 anos atrás). Sobre a estrada de terra morro acima, super estreita e escorregadia, as rodas do caminhão em que Vinicius viajava tinham correntes duplas, para maior tração, mas os precipícios eram enormes e se abriam logo às margens dos pneus, para o pavor dos passageiros da cidade grande. “Resultado: de músculos contraídos, com ave-marias na boca a cada curva, o vosso filho viu a morte perto do seu nariz durante uma hora e dez minutos” (17).

Diz o poeta: "Esse caminho, conforme nos disse o tal chofer, que e' a cara de são Pedro, não e' nada perigoso quando está seco. 'Quando está molhado', nos disse o animal, é apenas um bocadinho'. Imagina. Não assustes, porém. Para a volta já providenciamos cavalos mansos" (18).“Depois da tempestade, vem porém a bonança”, acrescenta Vinicius (18). Daí surge uma bucólica descrição do hotel e de outras maravilhas do lugar, também com sensibilidade e humor: "Estou escrevendo esta num caramanchão poético e fresco, com sabiás discutindo perto. Uma delicia. Da' vontade de fazer uma poesia que preste. Mas a preguiça é muita" (19).

De fato há um universo de enredos e emoções em Querido poeta, mas aqui tenho somente um cantinho de jornal para representá-lo. Termino, então, com uma dose homeopática do amor do poeta pela família e amigos. Em 1938, aos quase 25 anos de idade, Vinicius partiu de navio para estudar literatura em Oxford, na Inglaterra. A bordo do Highland Patriot, ainda subindo pela costa brasileira, já sente saudades, e escreve à mãe: “Mais do que nunca, só o amor das pessoas conta para mim. É tão simples que chega a ser difícil explicar por quê” (53).

Apesar de apaixonado por uma paulista, Tati (Beatriz Azevedo de Mello), com quem logo se casaria por procuração, o poeta confessa os sentimentos pelo irmão: “Não creio que haja pessoa no mundo de quem eu goste tanto quanto do Helius. No entanto, você viu como nos despedimos? Um simples aperto de mão” (53). Então conclui, sobre os que ficaram para trás: “É que a ausência não é tudo. Há, mais fundo e mais forte, uma coragem de amar perigosamente, mesmo através do incompreensível. As pessoas tocam a vida pra frente, repousadas umas no amor das outras. É formidável isso. Vocês me deram uma grande lição” (54).

Saturday, January 22, 2011

Contardo Calligaris


Textos de Contardo Calligaris,
cronista da Folha de São Paulo


Leitura para o dia 15 de fevereiro:


1) http://contardocalligaris.blogspot.com/2001/06/paixo-pelo-novo-e-o-casamento.html
2)
http://contardocalligaris.blogspot.com/2004/02/peixe-grande-e-paixo-pela-vida.html
3)
http://contardocalligaris.blogspot.com/2008/11/vicky-cristina-barcelona.html
4)
http://contardocalligaris.blogspot.com/2010/05/coragem-do-amor-que-dura.html
5)
http://contardocalligaris.blogspot.com/2005/02/closer-perto-demais-por-que-somos.html
6)
http://contardocalligaris.blogspot.com/2010/10/eu-matei-minha-mae.html
7)
http://contardocalligaris.blogspot.com/2006/03/mentiras-sinceras.html
8)
http://contardocalligaris.blogspot.com/2001/06/o-ideal-de-amor-romntico-est-em-que.html
9)
http://contardocalligaris.blogspot.com/2009/06/amores-e-mudancas.html
10)
http://contardocalligaris.blogspot.com/2000/11/de-novo-divrcios-e-crianas.html
11)
http://contardocalligaris.blogspot.com/1994/08/servido-ao-amor-desafia-esprito.html
12)
http://contardocalligaris.blogspot.com/2008/12/receita-de-mario-tatini.html
13)
http://contardocalligaris.blogspot.com/2001/04/felicidade-e-facilidade-na-capa.html
14)
http://contardocalligaris.blogspot.com/2005/11/melhor-no-conhecer-quem-voc-ama.html
15)
http://contardocalligaris.blogspot.com/2005/02/closer-perto-demais-por-que-somos.html
16)
http://contardocalligaris.blogspot.com/2007/11/ilhas-desconhecidas.html