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Wednesday, February 9, 2011

On the line worldwide




É hora de escrever algumas reflexões quando elas ainda permanecem meio fresquinhas na cabeça, depois de ler e/ou ouvir seus comentários pelo blog e através da sua participação na aula de ontem. Foram muitos tópicos ou facetas da vida e da obra de Vinicius que pudemos abordar. Gente, obrigado por tornar meu trabalho tão prazeroso! Gostaria de ter continuado noite adentro, mas a vida não é assim. O mundo da imaginação, do desejo, da fantasia, de que falava a Anália, tem que ser “fechado” na hora de irmos cuidar do jantar das crianças, cuidar do Zé Maria, lavar a louça, pagar as contas, etc.
Entre tantas coisas, ficou essa lembrança de como muitos poetas, ou artistas em geral, têm dificuldades na hora de separar esses mundos, porque para eles há o mundo que existe e o mundo que eles fazem nascer na sua obra, onde querem a imaginação e os sentimentos livres. Esses artistas não conhecem ou não aceitam facilmente as barreiras de separação inquestionáveis, instransponíveis, ou imutáveis.
No campo da literatura, a poesia, por não ter a mesma imposição ou limitação logocêntrica da prosa, é o espaço do sonho, da imaginação, do desejo, da inspiração, da fantasia, do amor e da paixão per excellence. Creio que era nisso que pensava Carlos Drummond de Andrade ao dizer que Vinicius viveu imerso no mundo da poesia como outros pouquíssimos poetas (eu diria que Fernando Pessoa e Emily Dickinson tiveram muito em comum com Vinicius de Moraes, nesse sentido). Na introdução e, mais uma ou duas vezes, no corpo do livro O poeta da paixão, José Castello aponta os “excessos” da vida pessoal do Vinicius, mas isso não quer dizer que Drummond, homem austero e reservado, teria dito aquelas coisas, muito menos como se elas fossem prerrogativas da vida do verdadeiro e raro poeta, daquele que vive em pleno mundo da poesia. Aqueles “excessos” de amores e bebidas não são manifestações ou comportamentos modulares necessários para se escrever poesia. São, a meu ver, no caso de Vinicius, resultado de um estado de alma que dele se apoderava. O grande poeta e músico Vinicius de Moraes escolheu viver daquele modo porque somente daquele modo a vida lhe tinha sentido. Acho que se ele não matou e não cometeu outros crimes, foi de seu direito beber e apaixonar-se até morrer aos 67 anos.
Vou fazer algumas outras referências aqui que poderiam ter sido feitas ontem em sala, mas o tempo no mundo concreto (e não imaginário) impõe limites, como se sugeria há pouco. Uma coisa: ao comentar uma obra ou um autor por escrito estamos assumindo uma posição de poder, pois temos um meio de comunicação a nosso serviço, sabemos que seremos lidos, e, portanto, teremos um impacto sobre a percepção que outras pessoas têm sobre aquilo que escrevemos e as obras abordadas. Esse privilégio requer responsabilidade pelos nossos atos. Penso que prudência, humildade, sinceridade e justiça devem ser cuidados a tomar e estar presentes nos escritos que publicamos, pois, entre outros efeitos, aquilo que dizemos sobre os outros refletem muitos aspectos do que somos nós.
Ao apontar defeitos alheios podemos revelar os nossos próprios, e esses são bons motivos para se exercitar boa fé, além daqueles outros cuidados acima arrolados que exigem pelo menos a leitura completa do texto antes, por exemplo, de nós o atacarmos ferozmente. Certas expressões que podemos usar ao analisarmos uma obra têm um alcance ou, melhor, um efeito de descrédito totalizador que aniquila o objeto de reflexão. É o caso do conceito de “ridículo”. Podemos até pensar levianamente, mas temos que ponderar mais cautelosamente antes de dizer em público que algo é “ridículo”, por causa da força retórica do termo.  Essa palavra tem o potencial para funcionar como uma bomba de um terrorista que se explode e se mata com o objetivo de matar os usuários de um aeroporto, como o de Moscou há poucos dias. Vejo o conceito de “ridículo” dessa maneira porque se estivermos enganados, ou mesmo cegos aos cruciais elementos do objeto criticado, estaremos nós mesmos nos expondo ao ridículo, ou de fato nos “explodindo” ao nos tornarmos ridículos.
Um termo que, segundo testemunhas oculares, foi usado pelos ditadores militares no seu despacho oficial (um documento desaparecido) ao demitir Vinicius de Moraes da diplomacia em 1969 foi “vagabundo”. O termo reflete muito bem a ignorância e o preconceito dos ditadores brasileiros em relação a Vinicius. O homem pode ter aborrecido os burocratas de Brasília por escrever e cantar música popular (por eles considerada uma arte inferior), mas “vagabundo” ele não era. Deixou mais de 400 belos poemas e mais de 400 belas canções, escreveu dezenas de livros, teatro, crônicas, dirigiu filmes, e chegou a passar três meses praticamente trancado em uma sala, com as cortinas fechadas de modo a sentir a inspiração de uma noite “eterna”, para, na companhia de Baden Powell, escrever canções e mais canções.
Este e todos os demais comentários publicados no nosso blog estão, palavra por palavra, ligados ao Google, que gerencia o sistema Blogger. Qualquer pessoa que pesquisar Vinicius de Moraes na internet poderá ter acesso às palavras de cada um de nós. Portanto, o nome de cada um de nós encontra-se on the line worldwide. Há outros professores e colegas lendo nosso blog, e empregadores atualmente buscam dados sobre candidatos eletronicamente. Do mesmo modo, muitos outros pesquisadores anônimos poderão fazê-lo, e alguém poderá citar nossas palavras (instigantes ou impensadas) num ensaio. Como moderador do blog eu poderei retirar comentários, se vocês me pedirem que o faça, a qualquer momento, mas não serei eu um censor de antemão em relação ao que vocês escreverem. A vida “concreta” muitas vezes não nos permite deletar nossas palavras. Aqui temos a vantagem de poder publicar e despublicar (desculpem o neologismo) nossas idéias, mas recomendo cuidado, muito cuidado, sempre.

Saturday, February 5, 2011

Castello e Faria Jr: as primeiras perguntas

Car@s estudios@s de Vinicius de Moraes e da Paixão,
Espero que a leitura da obra de José Castello (a biografia de Vinicius de Moraes) lhes esteja trazendo muitos temas para reflexão e muitos momentos prazer. Após discutirmos a paixão em sala de aula, assistir ao filme de Miguel Faria Jr. e ler, até agora, uma boa parte do livro de Castello, vocês provavelmente já se fizeram algumas perguntas a respeito desse material e da obra viniciana neles referenciada. Meu propósito aqui é compartilhar algumas das minhas próprias indagações, que poderão servir como exemplos ou ser úteis como quiserem (respondendo a elas, por exemplo).
1)    Qual é a relação de VM para com a criação poética, isto é, que papel tem o ato de escrever poesia na sua vida?
2)    É a sua vida comandando a sua arte ou o contrário, ou uma equação que se constrói de lado a lado, nas duas direções?
3)    Como pensar na obra de VM em relação ao modernismo brasileiro?
4)    O que levou VM a escrever poesia erudita e dela se afastar em certas ocasiões para, depois, abandoná-la por completo?
5)    Por que razão VM teria optado por se casar oficialmente nove vezes em um período de 42 anos?
6)    Qual é a importância do nascimento e morte desses casos de amor para a sua poesia?
7)    Que tipos de relação teriam o poeta e o homem de carne e osso VM para com suas musas?
8)    Que tipos de amor o poeta expressa por elas?
9)    Seria o amor de VM pelas mulheres marcado pelo egoísmo ou egocentrismo?
10)     Como o poeta retrata a paixão?
11)     Como VM lidava com os aspectos pragmáticos e cotidianos da vida?
12)     Que tipo de amigo era VM?
13)     Que aspectos da vida de VM estão relacionados com suas parcerias musicais?
14)     Por que razão teria acabado a parceria Vinicius de Moraes-Tom Jobim?

Wednesday, January 26, 2011

Clarice Lispector entrevista Vinicius de Moraes



Mulher, Poesia, Música
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"Detesto tudo que oprime o homem, inclusive a gravata." -- VM
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- Vinicius, acho que vamos conversar sobre mulheres, poesia e música. Sobre mulheres porque corre a fama de que você é um grande amante. Sobre poesia porque você é um dos nossos grandes poetas. Sobre música porque você é o nosso menestrel. Vinicius, você amou realmente alguém na vida? Telefonei para uma das mulheres com quem você casou, e ela disse que você ama tudo, a tudo você se dá inteiro: a crianças, a mulheres, a amizades. Então me veio a idéia de que você ama o amor, e nele inclui as mulheres.

- Que eu amo o amor é verdade. Mas por esse amor eu compreendo a soma de todos os amores, ou seja, o amor de homem para mulher, de mulher para homem, o amor de mulher por mulher, o amor de homem para homem e o amor de ser humano pela comunidade de seus semelhantes. Eu amo esse amor mas isso não quer dizer que eu não tenha amado as mulheres que tive. Tenho a impressão que, àquelas que amei realmente, me dei todo.
- Acredito, Vinicius. Acredito mesmo. Embora eu também acredite que quando um homem e uma mulher se encontram num amor verdadeiro, a união é sempre renovada, pouco importam as brigas e os desentendimentos: duas pessoas nunca são permanentemente iguais e isso pode criar no mesmo par novos amores.
- É claro, mas eu ainda acho que o amor que constrói para a eternidade é o amor paixão, o mais precário, o mais perigoso, certamente o mais doloroso. Esse amor é o único que tem a dimensão do infinito.
- Você já amou desse modo?
- Eu só tenho amado desse modo.
- Você acaba um caso porque encontra outra mulher ou porque se cansa da primeira?
- Na minha vida tem sido como se uma mulher me depositasse nos braços de outra. Isso talvez porque esse amor paixão pela sua própria intensidade não tem condições de sobreviver. Isso acho que está expresso com felicidade no dístico final do meu soneto "Fidelidade": "que não seja imortal posto que é chama / mas que seja infinito enquanto dure".
- Você sabe que é um ídolo para a juventude? Será que agora que apareceu o Chico, as mocinhas trocaram de ídolo, as mocinhas e os mocinhos?
- Acho que é diferente. A juventude procura em mim o pai amigo, que viveu e que tem uma experiência a transmitir. Chico não, é ídolo mesmo, trata-se de idolatria.
- Você suporta ser ídolo? Eu não suportaria.
- Às vezes fico mal-humorado. Mas uma dessas moças explicou: é que você, Vinicius, vive nas estantes dos nossos livros, nas canções que todo mundo canta, na televisão. Você vive conosco, em nossa casa.
- Qual é a artista de cinema que você amaria?
- Marilyn Monroe. Foi um dos seres mais lindos que já nasceram. Se só exisitisse ela, já justificaria a existência dos Estados Unidos. Eu casaria com ela e certamente não daria certo porque é difícil amar uma mulher tão célebre. Só sou ciumento fisicamente, é o ciúme de bicho, não tenho outro.
- Fale-me sobre sua música.
- Não falo de mim como músico, mas como poeta. Não separo a poesia que está nos livros da que está nas canções.
- Vinicius, você já se sentiu sozinho na vida? Já sentiu algum desamparo?
- Acho que sou um homem bastante sozinho. Ou pelo menos eu tenho um sentimento muito agudo da solidão.
- Isso explicaria o fato de você amar tanto, Vinicius.
- O fato de querer me comunicar tanto.
- Você sabe que admiro muito seus poemas, e, mais do que gostar, eu os amo. O que é a poesia para você?
- Não sei, eu nunca escrevo poemas abstratos, talvez seja o modo de tornar a realidade mágica aos meus próprios olhos. De envolvê-la com esse tecido que dá uma dimensão mais profunda e conseqüentemente mais bela.
- Reflita um pouco e me diga qual é a coisa mais importante do mundo, Vinicius?
- Para mim é a mulher, certamente.
- Você quer falar sobre sua música? Estou esperando.
- Dizem, na minha família, que eu cantei antes de falar. E havia uma cançãozinha que eu repetia e que tinha um leve tema de sons. Fui criado no mundo da música, minha mãe e minha avó tocavam piano, eu me lembro de como me machucavam aquelas valsas antigas.
- Meu pai também tocava violão, cresci ouvindo música. Depois a poesia fez o resto. (Fizemos uma pausa. Ele continuou:)
- Tenho tanta ternura pela sua mão queimada... (Emocionei-me e entendi que este homem envolve uma mulher de carinho.) Vinicius disse, tomando um gole de uísque:
- É curioso, a alegria não é um sentimento nem uma atmosfera de vida nada criadora. Eu só sei criar na dor e na tristeza, mesmo que as coisas que resultem sejam alegres. Não me considero uma pessoa negativa, quer dizer, eu não deprimo o ser humano. É por isso que acho que estou vivendo num momento de equilíbrio infecundo do qual estou tentando me libertar. O paradigma máxima para mim seria: a calma no seio da paixão. Mas realmente não sei se é um ideal humanamente atingível.
- Como é que você se deu dentro da vida diplomática, você que é o antiformal por excelência, você que é livre por excelência?
- Acontece que detesto tudo o que oprime o homem, inclusive a gravata. Ora, é notório que o diplomata é um homem que usa gravata. Dentro da diplomacia fiz bons amigos até hoje. Depois houve outro fato: as raízes e o sangue falaram mais alto. Acho muito difícil um homem que não volta ao seu quintal, para chegar ou pelo menos aproximar-se do conhecimento de si mesmo.
- Como pessoa, Vinicius, o que é que desejaria alcançar?
- Eu desejaria alcançar outra coisa. Isso de calma no seio da paixão. Mas desejaria alcançar uma tal capacidade de amar que me pudesse fazer útil aos meus semelhantes.
- Quero lhe pedir um favor: faça um poema agora mesmo. Tenho certeza de que não será banal. Se você quiser, Menestrel, fale o seu poema.
- Meu poema é em duas linhas: você escreve uma palavra em cima e outra embaixo porque é um verso. É assim: Clarice Lispector. Acho lindo o teu nome, Clarice.
- Você poderia me dizer quais as maiores emoções que já teve? Eu, por exemplo, tive tantas e tantas, boas e péssimas, que não ousaria falar delas.
- Minhas maiores emoções foram ligadas ao amor. O nascimento de filhos, as primeiras posses e os últimos adeuses. Mesmo tendo duas experiências de quase morte - desastre de avião e de carro - mesmo essa experiência de quase morte nem de longe se aproximou dessas emoções de que te falei.
- Você se sente feliz? Essa, Vinicius, é uma pergunta idiota, mas que eu gostaria que você respondesse.
- Se a felicidade existe, eu só sou feliz enquanto me queimo e quando a pessoa se queima não é feliz. A própria felicidade é dolorosa.
Meditamos um pouco, conversamos mais ainda., Vinicius saiu. Então telefonei para cada uma das esposas de Vinicius.
- Como é que você se sente casada com Vinicius?
Ela respondeu com aquela voz que é um murmúrio de pássaro:
- Muito bem. Ele me dá muito. E mais importante do que isso, ele me ajuda a viver, a conhecer a vida, a gostar das pessoas.
Depois conversei com uma mocinha inteligente:
- A música de Vinicius, disse ela, fala muito de amor e a gente se identifica sempre com ela.
- Você teria um 'caso' com ele?
- Não, porque apesar de achar Vinicius amorável, eu amo um outro homem. E Vinicius me revela ainda mais que eu amo aquele homem. A música dele faz a gente gostar ainda mais do amor. E "de repente, não mais que de repente", ele se transforma em outro: e é o nosso poetinha como o chamamos.

Eis pois alguns segredos de uma figura humanagrande e que vive a todo risco. Porque há grandeza em Vinicius de Moraes.
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