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Sunday, February 27, 2011

Referências Bibliográficas sobre Paixão e Psicanálise

II Bienal sobre Psicanálise e Cultura -- Referências
Sociedade Brasileira de Psicanálise de R. Preto, SP 

Referências Bibliográficas sobre o tema Paixão e Psicanálise


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O que será: indagações da paixão

O que será: indagações da paixão


Estudos de Psicanálise

versão ISSN 0100-3437

No.33 Belo Horizonte jul. 2010

 


O que será: indagações da paixão

What will it be: investigations of passion


Miriam Elza Gorender 1
Círculo Psicanalítico da Bahia



RESUMO
Este trabalho é a transcrição da fala de abertura da Jornada do Círculo Psicanalítico da Bahia sobre a Paixão, reunindo e organizando diversos conceitos e questões sobre o tema.
Palavras-chave: Paixão, Psicanálise, Filosofia

ABSTRACT
This paper is the transcription of the opening speech for the Symposium held by Círculo Psicanalítico da Bahia about Passion, collecting and organizing several concepts and questions on the theme.
Keywords:Passion, Psychoanalysis, Philosophy.



Qual joia polifacetada, o que percebemos da paixão muda de acordo com o ângulo pelo qual a olhamos. Filosofia, Psiquiatria, Psicanálise, cada campo de saber tem para ela diferentes visões. Palavra de múltiplos sentidos, conceito de múltiplas formas, este trabalho busca arrolar algumas das muitas indagações que seu estudo suscita.
Se parecer que pergunto demais, argumento antecipadamente, que acredito que, mais do que fatos ou respostas, é nossa capacidade de questionamento que nos faz avançar.
Também não afirmo ser capaz de formular, em apenas uma fala, todas as dúvidas que se pode ter dentro deste tema, mas procurei fazer aqui uma síntese de pelo menos algumas das áreas que, acredito, serão debatidas aqui por todos nós. Senão vejamos: é no mínimo interessante notar que a Psicanálise, ao tratar da paixão, não se ocupa primariamente do afeto em si, de seus efeitos imediatos ou da questão do que fazer diante dela, ou se seria melhor dominá-la ou extirpá-la, questões mais bem tratadas pela Filosofia. Já a Medicina biologicista, que não será tratada aqui, quer saber como surgiu, qual seu papel na sobrevivência e evolução da espécie humana, e seu objetivo é o poder, ilusório, de provocá-la ou anulá-la. A Psicanálise quer compreender, entre outras coisas, não apenas qual o mecanismo da paixão, mas o que se quer com ela e ainda se, neste querer, é isto mesmo o que se quer.
Paixão, num primeiro significado, tem o sentido de tendência - e mesmo de uma tendência bastante forte e duradoura para dominar a vida mental. Ora, é interessante para nós que este significado da palavra paixão traga em sua franja o sentido etimológico de passividade (paschein, pathos), sentido lembrado por Descartes no começo do Tratado das Paixões: "Tudo o que se faz ou acontece de novo é geralmente chamado pelos filósofos de paixão relativamente ao sujeito a quem isso acontece, e de ação relativamente àquele que faz com que aconteça" (LEBRUN, 1987, p. 17).
Descartes remete aí à definição aristotélica do agir e do padecer, sendo o primeiro considerado superior, uma vez que o padecente é mudado por algo de fora, e, para ser mudado, é preciso que haja movimento, e os gregos consideravam o imutável superior.
E mais: podemos pensar a paixão como impulso que nos leva, malgrado nosso, a praticar uma ação (externo, alienado, outro), ou como algo constitutivo de nosso ser?
Os estoicos defendiam que as paixões deviam ser extirpadas, não dominadas, transformando a sabedoria numa cirurgia das paixões. Essa posição era, aos olhos de Nietzsche, uma fraqueza, uma incapacidade de enfrentar as perturbações da alma. A paixão é aí uma tendência a ser domada ou um mal a ser extirpado?
Compreendido como um afeto mórbido que posso vir a controlar, o pathos carrega originalmente dois conceitos bem diferentes: o passional, que faz surgir a ética, e o patológico, que remete ao diagnóstico médico. Por exemplo, o conceito de crime passional como circunstância atenuante. O ato provocado por impulso demasiado forte é resultado da fraqueza de um indivíduo que, responsável por suas paixões, não consegue controlar-se, ou doença que o coloca fora de si mesmo?
Ao desconsiderar os conceitos de vontade e responsabilidade, renuncia-se à distinção entre passional e patológico. É o que a Medicina atual procura fazer com seu novo fatalismo científico, considerando patológica a paixão, algo a ser curado. O indivíduo não deve mais ser sábio ou virtuoso, mas sadio e adaptado. A paixão não é mais um componente do caráter que deve ser governado, mas um fator perturbador, a ser eliminado como queriam os estoicos. A Medicina ocupa cada vez mais o lugar da ética. Será isto desejável? Os biologicistas defendem que a mudança é benéfica, mas acredito que devemos pesar os possíveis benefícios contra a constituição, não apenas possível mas em pleno curso, de um novo totalitarismo. É possível um meio-termo?
Já Rouanet (1987) fala da distinção entre a razão louca e a razão sábia. Fundamenta-se aí na correlação entre razão e paixão, e entre Ego e Id em Freud: "O Ego representa o que chamamos a razão e a reflexão, enquanto o Id, pelo contrário, é dominado pelas paixões" (FREUD, 1923).
Na razão louca, o Ego seria dominado, e a percepção do mundo passa a ser colorida e determinada pela lógica dos processos internos. Na razão sábia, haveria uma renúncia e um afastamento da influência perturbadora dos afetos. Seria isto possível? Trata-se de uma imparcialidade verdadeira ou, como no conceito lacaniano de desejo do analista, que aqui a paixão pelo conhecimento se superponha a qualquer outra?
Na fronteira entre Filosofia e Psicanálise, encontramos a questão do amor como paixão e da busca da felicidade.
Ganha aí realce a força do mito do amor, força essa sustentada pela promessa de felicidade plena nas chamadas "histórias de amor", mas também é possível apontar a estratégia desse mito: manter essa promessa de felicidade, afastando o impossível, uma das denominações do real para Lacan, ou transformando-o em proibido. Freud já observara que o amor tende a funcionar como modelo de busca da felicidade e reconhecera sua natureza ilusória no sentido de consolar e tornar tolerável o mal-estar próprio do desejo humano.
Boa parte dos textos psicanalíticos sobre a paixão trata dela sob o signo do narcisismo. As paixões do amor e ódio aparecem aqui como lados de uma mesma moeda, moeda essa cuja ocorrência é o englobamento, imaginário. Assim, no amor, o objeto engloba o eu para aumentá-lo, no ódio o eu incorpora o objeto para aniquilá-lo.
Segundo Maria Rita Kehl, o modelo principal seria a fusão narcísica inicial com o corpo da mãe, na qual (assim como em momentos privilegiados da paixão...) "o mundo desaparece, eu sou o mundo, o mundo é uma extensão de mim" (KEHL, 1987, p. 475).
A primeira fantasia que surge nas relações apaixonadas da vida adulta é a da restauração de nosso narcisismo primário; a primeira esperança do (a) apaixonado (a) é encontrar no ser amado sua total completude. As fantasias do início de uma relação apaixonada não concedem existência própria ao outro, que se torna um depósito das fantasias mais arcaicas, um representante da possibilidade de restauração do narcisismo ferido. O apaixonado pode escolher, então, quando das primeiras desilusões, entre a morte da paixão ou sua própria.
Kehl (1987) fala do destino do excesso de energia das paixões. Não estará ela aí igualando paixões a pulsões? E é possível ou mesmo aconselhável trabalhar com essa relação como sendo de equivalência? Freud se refere a Eros e Tanatos como paixões do id, mas em que sentido teria usado a palavra? Ainda, o conceito de pulsão é o de pulsão parcial. Qual a relação entre a parcialidade das pulsões e a ilusão de totalidade das paixões?
Ainda segundo Kehl (1987), a repressão, dissociando o desejo de seu objeto original, aliena a pessoa que fica cega para seus desejos, presa fácil de líderes totalitários. Fala da matéria burra das paixões. Ou seja, seria possível usar esse mecanismo para chegar a uma melhor compreensão de fenômenos como o nazismo? Sendo o ser humano um animal político, essa certamente é uma das principais arenas para as paixões. Pode o melhor entendimento dessas fornecer uma ferramenta para a política? Pessoalmente, creio que o máximo a que se poderia aspirar tomaria a forma de uma arma, uma melhor forma de manipulação das massas e indivíduos, mas mantenhamos a questão.
Neste tornar equivalente pulsão e paixão, Kehl (1987) chega ao conceito de sublimação, que seria a possibilidade de expressão simbólica desses desejos. Assim, a paixão bem-sucedida costumaria ser silenciosa. Daí a passagem ao que chama amor sublime, no qual "o desejo, longe de perder de vista a carne que lhe deu a luz, tende em definitivo a erotizar o universo" (PERET apud KEHL, 1987, p. 485). É possível uma paixão bem sucedida? Ou, para o efeito desejado, seria necessária uma desidealização e dissolução da paixão com a transformação desta em amor, como quer Roberto Coura (2000)? Seria a ideia de uma paixão bem-sucedida algo utópico?
Nos dias de hoje, a repressão tem como aliada a sedução do mercado, que veio a substituir, por exemplo, os rituais da corte francesa, criados por sua vez para substituir e moderar a violência que imperava e fazia com que muitos nobres e soldados perecessem em brigas, assassinatos e duelos. Troque suas paixões pelo desejo de possuir um objeto.
Kehl (1987) afirma que, hoje, a Psicanálise não luta contra a histeria, mas contra o narcisismo.
Nesse caso, quais as relações entre paixão, narcisismo e gozo? Seria verdadeiramente na paixão que mais se aproximam, via narcisismo, o ser e o ter?
À busca dessa completude perdida, Lacan chamou de Paixão do ser, que são paixões da relação com o Outro. Diz ele: "A ignorância, de fato, não deve ser entendida aqui como uma ausência de saber, mas tal como o amor e o ódio, como uma paixão do ser: porque ela pode ser, à semelhança deles, uma via em que o ser se forma" (LACAN, 1998, p, 360). A falta-a-ser determina a paixão da busca de completude no Outro. Trata-se aí do grande Outro ou de um outro imaginário? As paixões dão também consistência ao Outro, buscando o ideal no amor, o apagamento no ódio e o saber na ignorância.
Freud já havia relacionado essas três paixões no seu ensaio sobre Leonardo, sobre quem escreve:
Seus afetos eram dominados e submetidos à pulsão da pesquisa; não amava ou odiava, porém se perguntava acerca da origem e do significado daquilo que deveria amar ou odiar. Parecia assim forçosamente indiferente ao bem e ao mal, ao belo e ao horrível. Durante esse trabalho de pesquisa, o amor e o ódio se despiam de suas formas positivas ou negativas e ambos se transformavam apenas em objeto de interesse intelectual. Na verdade, Leonardo não era insensível à paixão; não carecia da centelha sagrada que é direta ou indiretamente a força motora -iI primo motore- de qualquer atividade humana. Apenas convertera sua paixão em sede de conhecimento; entregava-se, então, à investigação com a persistência, constância e penetração que derivam da paixão e, ao atingir o auge de seu trabalho intelectual, isto é, a aquisição de conhecimento, permitia que o afeto há muito reprimido viesse à tona e transbordasse livremente, como se deixa correr a água represada de um rio (FREUD, 1980[1910], p. 83).
Há, na transferência, uma relação entre o amor ou ódio ao analista e o pacto entre o não querer saber de si e a suposição de que o outro detém esse saber? Ou seja, a ignorância seria uma paixão derivada das duas primeiras, como sugere Freud, ou originária e desde sempre constitutiva do ser, como afirma Lacan?
A outra referência maior de Lacan à paixão se deve ao conceito de paixões da alma de São Tomás de Aquino, como este último escreve no seu Comentário ao De Interpretatione:
Se o homem fosse naturalmente um animal solitário, ser-lhe-iam suficientes as paixões da alma, pelas quais se conformaria às próprias coisas, de tal modo que, por meio delas, tivesse em si a notícia das coisas. O Filósofo inicia o Livro sobre a Interpretação por um tratado sobre a significação das vozes, dizendo: "As coisas, portanto, que estão nas vozes, são sinais das paixões que estão na alma; e as coisas que se escrevem são sinais das coisas que estão nas vozes". O Filósofo propõe aqui três coisas, de uma das quais pode-se inferir uma quarta. Propõe, de fato, a escritura, as vozes e as paixões da alma. Das paixões da alma, porém, podem inferir-se as coisas ou a realidade, pois as paixões da alma procedem da impressão de algum agente e assim devemos dizer que as paixões da alma têm sua origem das próprias coisas ou realidade (AQUINO, 2010).
Na primeira modernidade, diferentes discursos sobre os afetos difundem a ideia de que o prazer e a dor fariam parte conjuntamente da maioria das atividades dos seres vivos e, no caso dos seres humanos, estariam diretamente relacionados às paixões da alma.Essa noção orienta, por exemplo, o De l'usage des passions, publicado em 1641 por Jean-François Senault, um dos mais célebres pregadores franceses de seu século. Esse tratado, oferecido formalmente ao cardeal Richelieu, está fundamentado, sobretudo, na noção de alma e corpo aristotélico-tomista. Em sintonia com São Tomás de Aquino, Senault afirma que a paixão é um movimento natural necessário, que nasce do fato de a alma estar engajada na matéria. Dentre todas, a dor seria a mais incômoda e a mais comum das paixões humanas. Isto, sobretudo, ao se comparar com o prazer. Segundo Silva,
Luca Tozzi (1638-1717), professor da universidade de Nápoles, que se tornou também médico oficial do Reino e substituiu Marcelo Malpighi na função de médico do pontífice Clemente XI, sintetiza os efeitos nocivos e dolorosos das paixões da alma: de fato, é evidente que do amor nascem a confusão, a loucura, a febre, a insônia, a inquietude e, por vezes, a morte. [...] do mesmo modo, mais de uma vez, o ódio gerou febres e furores. Do medo derivam o resfriamento do corpo, o desfalecimento, e a perda de todos os membros; da alegria, o exaurimento das forças e a síncope. Enfim, da inveja nascem angústias, deterioração, delírios melancólicos, suspiros lamentosos e outros acidentes do gênero, sobretudo quando tais perturbações são excessivas, imprevistas e persistentes (DINI, 1681 apud SILVA, 2007, p. 58).
Como vemos, as paixões da alma têm suas raízes e frutos entranhados no corpo.
A partir de Tomás de Aquino, Lacan (2005) irá dar como exemplo contrário a tristeza e a mania. A tristeza é por ele qualificada não como estado d'alma, mas antes como falta ou covardia moral, um pecado contra o bem-dizer, no inconsciente. Pecado sem perdão ou absolvição, fundado na manutenção do gozo e ao qual todos são condenados, para sermos redimidos apenas breve e fugazmente pela emergência do simbólico. Vinicius de Morais nos diz que 'tristeza não tem fim, felicidade sim'. Concordaria Lacan com Vinicius?
Eis a citação de Lacan (2003, p. 524) sobre as paixões da alma:
Será que a simples ressecção das paixões da alma, como São Tomás denomina com mais justeza esses afetos, a ressecção, desde Platão, dessas paixões segundo o corpo - cabeça, coração, ou até, como diz ele, sobrecoração - já não atesta ser necessário, para abordá-las, passar pelo corpo, que afirmo só ser afetado pela estrutura?
Indicarei por onde poderia se dar uma sequência séria, a ser entendida como serial, ao que prevalece como inconsciente nesse efeito.
A tristeza, por exemplo, é qualificada como depressão, ao se lhe dar por suporte a alma, ou então a tensão psicológica do filósofo Pierre Janet. Mas esse não é um estado de espírito (état d'âme), é simplesmente uma falha (faute) moral, como se exprimiam Dante ou até Espinosa: um pecado, o que significa uma covardia moral, que só é situado, em última instância, a partir do pensamento, isto é, do dever de bem dizer, ou de se referenciar no inconsciente, na estrutura.
O que se segue - bastando que essa covardia, por ser rechaço (rejet) do inconsciente, chegue à psicose - é o retorno no real daquilo que foi rechaçado: é a excitação maníaca pela qual esse retorno se faz mortal.
Esse trecho se refere a uma pergunta sobre o afeto como energia natural, e seu objetivo é contrapor-se a esse ponto de vista, mostrando, ao contrário, o corpo como afetado pela estrutura. A tristeza ou a mania, tidos como pecados da manutenção do gozo não simbolizado, se sustentam ainda aí enquanto paixões?
Entre os autores pesquisados, haveria pelo menos mais um a destacar: Marcus André Vieira, que propõe um modelo dos afetos fundado na ética lacaniana.
O autor supracitado considera que a paixão, fora do registro energético e vinculada a uma reflexão ética, é a contribuição essencial de Lacan à questão. Vejamos o que diz (2001):
Inicialmente a emoção. Postulemos que a emoção é o termo reservado para Lacan a tudo aquilo que situa o afeto no registro da agitação de um corpo concebido como anterior à estrutura e não secundário a ela. Sob essa rubrica, vamos reservar tudo o que se propõe como pura expressão do animal no homem, seu lado orgânico, genético, tudo que se refere à herança da raça, o atávico e o ancestral, o arcaico, enfim, o Outro em seu aspecto imaginário de inimigo ou amigo mais íntimo, o outro do espelho, por vezes cara-metade, por vezes perseguidor. Aqui se inserem os afetos de ódio e amor no que eles se situam no nível especular (evidentemente estamos definindo um sentido de emoção que não é o do uso comum, normalmente se utilizaria o termo "paixão" para designar esses estados de fascinação e arrebatamento, lugar da captação imaginária; contudo, mesmo utilizando-a vez por outra nesse sentido, Lacan reserva um outro lugar para a paixão, razão pela qual estamos autorizados a efetuar essa partilha que tem muito de artefato).
No vértice do sentimento, vamos localizar tudo aquilo que do afeto se articula em palavras, aquilo que vem nomear um indizível e que, justamente por ter sido colocado em palavras, passa a doer como se fosse anterior a elas. Como diz Lacan, o afeto vem ao corpo e não provém dele.
Finalmente, a paixão. Colocar em evidência o papel da paixão, ao lado do sentimento e da emoção, teria sido, segundo Lacan, a contribuição propriamente freudiana para o tema do afeto. Por compreender essa revolução, ele descarta toda a literatura sobre o afeto na Psicanálise, que tinha basicamente optado por um lado ou por outro do abismo, ou ainda buscado um compromisso entre suas bordas. De fato, as seguintes alternativas sempre tinham atormentado os psicanalistas: o afeto seria um fenômeno de descarga (emoção) ou de investimento (sentimento)? Mais dependente e mais próximo da energia pulsional ou da representação? Lacan vai buscar suas referências em Spinoza e Dante e insistir que se trata de uma articulação entre o psíquico e o somático, ou melhor, entre significante e gozo, que só é apreensível se nos referirmos à reflexão ética, que tradicionalmente conjuga pensamento e ação. Deslocar o debate de "representação e energia" para "pensamento e ação" é o que o direito de cidadania dado neste campo à paixão torna possível.
Na emoção, o real é figurado como um ser supremo, um significado fundamental que determina e justifica todos os outros. No sentimento, ele é o silêncio desagregador que nada diz, só dispersa os sentidos estabelecidos. Na paixão, ele será o paradoxo de uma escrita que não é comunicação, uma mensagem fora do sentido. O modo mais imediato de apreendê-lo é através da imagem do escravo mensageiro que carregava, escrita a ferro e fogo, uma mensagem em seu couro cabeludo.
Ou seja, o autor equipara aí a paixão à Letra, como suporte do significante e como provinda do Outro. Assim os estigmas, passando de Cristo a São Francisco e daí se espalhando por imagens e corpos como emblemas da paixão.
Assim Édipo, seguidor involuntário das marcas deixadas em seu corpo perfurado, trespassado nos pés ao nascer e nos olhos no ápice de sua paixão. Não seria de admirar que terminasse a vida como andarilho e vidente, pré-vendo em Colono a hora e forma de sua morte.
São dois modelos distintos de afeto para falar de paixão, um originado no narcisismo e no domínio do imaginário, outro fundado no corpo e no real da estrutura. Um tem como representante o fogo que aquece e destrói, outro traz a marca do signo que, fora do sentido, é produtor de significações. É possível manter, simultaneamente, estes dois modelos de afeto no mesmo campo da Psicanálise?
Para terminar, quais as relações entre paixão, repressão e inibição? Nossa época é marcada em relação à paixão, pelo menos no que podemos observar na clínica, acima de tudo por sua falta. A superabundância de gozo barra, por seu próprio excesso, o surgimento e exercício da paixão. Assim como a paixão falta, a inibição domina uma parte importante de nossa clínica atual. A impossibilidade de amar, de fazer, de pensar é lugar comum nos analisandos dos nossos dias. O preço do gozo é, então, não a ação e satisfação contínuas, mas a sua paralisação? No Admirável Mundo Novo, de Huxley (1932), os habitantes de uma utopia planejada e medida, com seus prazeres obrigatórios e cotidianos, tomam regularmente, além do soma, um "substituto de paixão violenta". Quais os nossos substitutos regulares da paixão violenta?
Enfim, com tantas perguntas e outras mais à espera de quem as formule, espero que tenhamos, até o final de nossa jornada, apresentações apaixonantes e debates apaixonados. Que a paixão pelo saber nos una nessa empreitada!

Referências
AQUINO,T. Comentário ao De Interpretatione. Disponível em:http://www.microbookstudio.com/tomasaquinocomentariosaristoteles.htm. Acessado em: 24.03.2010.
COURA, R. Paixão é doença. Entrevista ISTO É (2000). Disponível em: http://www.google.com.br/search?hl=pt-BR&q=%22rubens+coura%22+%22isto+%C3%A9%22&aq=f&aqi=&aql=&oq=&gs_rfaiAcessado em 24.03.2010.
FERREIRA, N. P. A teoria do amor. Coleção Psicanálise Passo a Passo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. v.38. 71 p.
FREUD, S. Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância [1910]. In:___. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas. Trad. de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v.XI. p. 83.
FREUD, S. O Ego e o Id [1923]. In:___. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas. Trad. de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 2006 v. XIX, p. 39.
HUXLEY, A. [1932]. Admirável mundo novo. São Paulo: Globo, 2001.
KEHL, M. R. A Psicanálise e o domínio das paixões. In: Obra Coletiva. Os Sentidos da Paixão. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p. 469-496.
LACAN, J. Televisão. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. p. 524.
LACAN, J. Variantes do tratamento-padrão. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. p. 360.
LEBRUN, G. O conceito de paixão. In: Obra Coletiva. Os Sentidos da Paixão. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p. 17-34.
LEITE, M. P. de S. A. depressão como paixão da alma. Disponível em: http://www.marciopeter.com.br/ Acessado em: 24/03/2010.
ROUANET, S. P. Razão e Paixão. In: Obra Coletiva. Os Sentidos da Paixão. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p. 437-468.
SILVA, P. J. C. A dor enquanto paixão. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, São Paulo, v. X, n. 1, p. 51-62, mar.2007.
VIEIRA, M. A. A ética da paixão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
VIEIRA, M. A. O real da paixão. Opção Lacaniana, São Paulo, n. 31, p. 42-46, set. 2001.


Endereço para correspondência
Rua Marques de Caravelas, 217/901 - Barra
40140-241 - Salvador/BA
Fone: (71)3264-2523
E-mail: miriamgorender@gmail.com
Recebido: 24/03/2010
Aprovado: 01/07/2010


1 Psicanalista, membro do Círculo Psicanalítico da Bahia, professora adjunta do Departamento de Neurociências e Saúde Mental da UFBA, doutora em Psicanálise pelo Instituto de Psiquiatria da UFRJ.
 

Monday, February 21, 2011

Paixão: sina e esperança





Amália Rodrigues (1920-1999), a mais famosa fadista portuguesa, morou, cantou e gravou por uns tempos no Brasil. Ela até mesmo se casou com um brasileiro em 1961. Seu extraordinário legado musical no nosso país foi de grande influência para Caetano Veloso, cantor-compositor que escreveu fados que já fazem parte do mais belo cancioneiro luso-brasileiro de todas as épocas. Na década de 1960 esses dois expoentes da música lusófona criaram pérolas poético-musicais que estabelecem um diálogo sobre a paixão, tema central de um curso que atualmente ensino no Programa de Pós-Graduação em Estudos Luso-Afro-Brasileiros da Universidade de Massachusetts Dartmouth. Na aula inaugural tivemos a oportunidade de compartilhar nossos próprios conceitos sobre o tema tendo em mente, também, a poética de Vinicius de Moraes, obra que estamos estudando paralelamente às investigações sobre a paixão.
Há poucas dúvidas sobre a hipótese de que o termo grego que dá origem à palavra paixão seja pathos. Entretanto, a etimologia consensual de qualquer palavra não encerra nossa busca pela compreensão dos conceitos atribuídos, ao longo dos séculos, a um dado vocábulo do nosso léxico contemporâneo. Não há espaço aqui para desdobramentos filológicos detalhados. Resta-nos dizer que o conceito de paixão – assim como foi o de pathos na Grécia antiga e na Grécia clássica – provavelmente para sempre será caracterizado por inúmeras e profundas contradições. Uma das idéias mais remotas acerca da paixão (isto é, de pathos) é a de passividade, de entrega do ser a uma força superior que o rege, que o subjuga. Inclinação ou tendência natural do ser (ou ethos, em grego), a paixão pode transformar-se em “força destrutiva por desmedida”, segundo a filósofa Marilena Chauí (42). Um conceito mais moderno, porém, é o de que a paixão pode ser a grande força motriz do ser humano. O filósofo francês Gérard Lebrun nos lembra que “paixão e razão são inseparáveis” (18), e que para o filósofo idealista alemão Georg Hegel (1870-1931) em Estética, “[n]ada de grande se faz sem paixão” (Lebrun 18).
Para inspirar nossas discussões preliminares sobre esses dois conceitos de paixão enfocamos o inesquecível e tipicamente dramático fado “Estranha forma de vida”, de Amália Rodrigues e Alfredo Marceneiro; e a balada “Coração vagabundo”, de Caetano Veloso. A visão passiva de uma vítima da paixão surge no primeiro verso na letra de Amália Rodrigues: “Foi por vontade de Deus”. O jeito de ser apaixonado e a dor da paixão do “eu” poético inerte e agonizante são, pois, desígnios de Deus. Uma hipérbole sugere, a seguir, que ninguém mais sofre nesse mundo, apenas a persona do poema: “Que todos os ais são meus”. Sua auto-imagem cria uma visão de um “eu” que sofre como um caso de vida excêntrico, de exceção, como se a dor não fizesse parte da condição humana: “Que estranha forma de vida”. A ilusão estéril e anódina é característica marcante da vida dessa persona: “Vive de vida perdida”.
Acreditando no desejo de Deus como causa de seu sofrimento (conforme o primeiro verso do poema), a persona agora, falando ao seu próprio coração, pondera o poder supernatural, metafísico, de uma varinha de mágico como solução para seus males: “Quem lhe daria o condão”. Simbolizada pelo coração, a paixão é então retratada como uma parte do ser sobre a qual a persona não tem poder nem relação de contigüidade. A paixão é autônoma e dirige a vida do apaixonado: “Coração independente/ Coração que não comando”. Para ela, a paixão é mesmo cega e constantemente sofredora: “Vives perdido entre a gente/ Teimosamente sangrando”. Em face da ignorância e estupidez da paixão que lhe assola e desorienta a vida, a persona do poema prefere morrer: “Pára, deixa de bater/ Se não sabes onde vais/ Eu não te acompanho mais”.
Por outro lado, “Coração vagabundo,” canção meio bossa-novista de melodia lenta e triste, foi escrita quase que na mesma época em que surgiu o clássico “Estranha forma de vida” e inicialmente gravada por Caetano Veloso para o seu primeiro LP Domingo (de parceria com Gal Costa). Ao contrário do que se diz no poema português, entretanto, a teimosia não reside no sofrimento, mas sim na esperança de atingir sua plenitude romântica: “Meu coração não se cansa/ De ter esperança/ De um dia ser tudo o que quer”. Caetano compõe a imagem de um ser apaixonado que se vê livre para amar como uma criança, cuja inspiração e fé em melhores dias não desfaleceram por causa da dor e frustração de um amor que morreu: Meu coração de criança/ Não é só a lembrança/ De um vulto feliz de mulher/ Que passou por meus sonhos/ Sem dizer adeus/ E fez dos olhos meus/ Um chorar mais sem fim”. O poema se fecha com a hipérbole da volúpia que habita um coração apaixonado, que dá sentido à vida de quem espera e deseja viver intensamente todas as oportunidades que o mundo lhe oferece: “Meu coração vagabundo/ Quer guardar o mundo/ Em mim”.
Apesar das enormes diferenças entre as visões da paixão em um e outro poema, uma semelhança é inegável. Como no poema de Amália Rodrigues, a persona por detrás dos versos de Caetano Veloso retrata seu coração como uma parte do seu ser que é repleta de determinação, cheia de vontade própria. Apesar do título aparentemente pejorativo e sua melodia ostensivamente melancólica, “Coração vagabundo” é consoante com a visão otimista de Benedict de Espinosa (1632-1677), filósofo judeu que nasceu de pais portugueses refugiados na Holanda. O autor de Ethica dizia não desprezar os perigos da obsessão criada pela paixão, que tanto atemorizam e maltratam o ser humano, mas acreditava na nossa capacidade de “excluir a coisa que causa medo” (Chauí 79), a sina que assombra a “estranha forma de vida” de Amália Rodrigues, e “presentificar aquela que causa esperança” (79), a fé que anima o “coração vagabundo” do músico-poeta da Bahia. Para Espinosa, explica Chauí, é necessário “fortalecer uma paixão da alegria: a esperança” (Chauí 79-80). É hora de se perceber que a diligência pode mais que a passividade. Espinosa, portanto, conclui: “as coisas necessárias são mais fortes do que as contingentes” (Chauí 80).

Obras citadas
Chauí, Marilena. “Sobre o medo.” Adauto Novaes, ed. Os sentidos da paixão. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. 33-83.
Lebrun, Gérard. “O conceito da paixão.” Os sentidos da paixão. Adauto Novaes, ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. 12-32.
Rodrigues, Amália. “Estranha forma de vida”. Estranha forma de vida: o melhor de Amália Rodrigues. EMI, 2007.
Veloso, Caetano. “Coração vagabundo”. Domingo. Universal, 1967.




Saturday, February 19, 2011

Rosa vermelha



Rosa vermelha

Cecília Figueiredo nos envia esse poema 
de Ary dos Santos, poeta e compositor lisboeta

Escrito para Amália Rodrigues e por ela musicado, 
mas, no YouTube, interpretado pela fadista Katia Guerreio:

Trago uma rosa vermelha
aberta dentro do peito
e
em sei se e' comigo
se e' contigo que eu me deito.

A minha rosa vermelha 
mais parece uma roma
pois quando aberta de noite
 
não se fecha de manhã.

Trago uma rosa vermelha
na minha boca encarnada
quem me dera ser abelha
de tua boca fechada.

Trago uma rosa vermelha
n
ão preciso de mais nada

Pus uma rosa vermelha
na fogueira do teu rosto
mereco ser condenada
por crime de fogo posto.

Trago uma rosa vermelha
que e' minha
condenação
 condenada a vida inteira
a fogueira da paix
ão.

Trago uma rosa vermelha
atrevida e perfumada
e uma rosa vaidosa
a minha rosa encarnada.

Trago uma rosa vermelha
n
ão preciso de mais nada.

Saturday, February 12, 2011

Passagens favoritas dos textos de Contardo Calligaris

 1)  A paixão pelo novo e o casamento

Achamos mil culpados pela mesmice que nos assola. Mas logo a lista dos acusados chega a parceiros e parceiras -como se fossem bolas amarradas no pé, correntes que nos travam. O cônjuge torna-se a encarnação dos motivos pelos quais desistimos do novo e da aventura. Ele é responsável por nosso tédio, culpado de toda estagnação. Ele carrega, aos nossos olhos, os estigmas da mesmice: imaginamos dever-lhe tudo o que parece nos prender -um domicílio, a responsabilidade de sermos pais, mais uma família que se acrescenta ao peso da nossa família de origem etc.

2)       Peixe Grande e a paixão pela vida
Ora, sou pai de três rapazes. Gostaria de lhes transmitir uma paixão pela vida que não dependesse da realização de sonho algum, ainda menos de um sonho meu. Gostaria que eles encontrassem sua razão de viver não alhures (numa obrigação ou mesmo nos grandes princípios que dirigem suas ações), mas na própria experiência da vida que levam, em seus momentos felizes ou tristes, jocosos ou duros.
[...] Durante 50 anos, meu pai manteve um diário. Sob pretexto de que sua caligrafia era ilegível, ele ditava o texto para minha mãe. Às vezes, eu ficava escutando atrás da porta. Odiava (e me fascinava) a transformação que as palavras do diário impunham a acontecimentos que eu tinha presenciado e que foram, a meu ver, insignificantes. Na descrição do meu pai, a banalidade do cotidiano se tornava uma vasta produção teatral cujo tema maior era sempre, aliás, o seu amor pela minha mãe.
De fato, o cônjuge é acusado injustamente: geralmente ele é apenas o porta-voz do medo que acompanha e modera nossa paixão pelo novo. Somos filhos de uma cultura que, ao mesmo tempo, promove o pequeno núcleo familiar fundado no amor e idealiza a liberdade de quem não pára de se reinventar sozinho. Queremos aventura, mas receamos esse nosso desejo e procuramos portos seguros. Culpar o cônjuge é uma maneira de evitar a contradição.
Respeitando esse dilema, a literatura de ajuda, descrição e análise do casamento segue duas tendências. Há os aventureiros, que encorajam homens e mulheres a -expressão consagrada- "realizarem seu potencial" perseguindo novos horizontes. E há os casamenteiros, partidários de compromissos e negociações que permitiriam atravessar a vida de mão dada.
[...] Se os esforços para manter ou reinventar o casamento nos parecessem tão emocionantes quanto a procura e o risco da novidade, o casamento encontraria um fôlego extraordinário, pois conciliaria a paixão pelo novo com a nostalgia de um porto seguro.

3)   Vicky Cristina Barcelona

Os casais que se amam de paixão, cujos parceiros parecem ser feitos um para o outro, em regra, acabam tentando se matar -com faca, revólver ou qualquer outro instrumento (cf. Juan Antonio e Maria Emilia). É porque, se o outro me completa e vice-versa, o risco é que nenhum de nós sobreviva à nossa união -ao menos, não como ente separado e distinto. Mas, por mais que seja ameaçadora, a paixão amorosa é uma tentação irresistível (cf. Cristina, Vicky, Judy) por uma razão simples: nas narrativas de nossa cultura, ela é o protótipo ideal da experiência plena, da vida intensamente vivida.

Por sorte ou não, o amor-paixão é raro. A maioria de nós vive relações menos "interessantes" e menos fatais -relações em que a gente se preocupa em criar os filhos, decorar a casa, ganhar um dinheiro ou jogar golfe (cf. Vicky e Doug, Judy e Mark). Não seria tão mal, salvo pelo detalhe seguinte: em geral, nesses casais "normais", ao menos um dos parceiros vive com a sensação de que sua escolha amorosa é resignada, fruto de um comodismo medroso: "O outro não é bem o que eu queria; culpa minha, que não tive a coragem de me arriscar a amar..."

[...] Os que parecem não idealizar o amor-paixão passam o tempo se protegendo contra ele. Deve ser por isto que a "normalidade" amorosa pode ser insuportavelmente chata: porque ela exige a construção esforçada de defesas contra a paixão -argumentos morais e sociais, sempre mais "razoáveis" do que racionais (cf. Mark, Doug).

[...] A paixão não é uma coisa que a gente possa encontrar saindo pelo mundo como um turista da vida (cf. Cristina). Pois não basta esbarrar na paixão; ainda é preciso encará-la quando ela se apresenta.

[...] "É um filme triste porque os personagens se apaixonam, vivem sentimentos fortes, mas, no fim, tudo isso não transforma ninguém. Vicky e Cristina vão embora iguais ao que elas eram no começo, sobretudo Cristina...".

Minha amiga tinha razão. O amor e a paixão não nos fazem necessariamente felizes, mas são uma festa e uma alegria porque deles podemos esperar ao menos isto: que eles nos tornem um pouco outros, que eles nos mudem.
Agora, nem sempre funciona...

4)       A coragem do amor que dura


É inegável: nossa cultura idealiza a ruptura, a aventura, a saída para o mar aberto. Em matéria amorosa, o momento que preferimos contar é a hora do apaixonamento. Depois disso, gostamos de imaginar que "eles viveram felizes para sempre", mas sem entrar em detalhes que poderiam transformar a história numa farsa.

Uma boa solução, aliás, é que os amantes morram logo. O sumiço (de ambos ou de um dos dois) evita que a comédia da vida que levariam juntos contamine a apoteose do encontro inicial. Os amantes ideais são os que não duraram no tempo: Romeu e Julieta, o jovem Werther e Charlotte, Tristão e Isolda.
Concluir o quê? Que a coragem é sempre a de quem deixa a mornidão de seu conforto para se queimar num instante de paixão? Será que não pode haver coragem nos esforços para que o amor dure?
Geralmente, explica Badiou, minha experiência do mundo é organizada por minha vontade de sobreviver e por meu interesse particular: vejo o mundo só de minha janela.

Certo, ao redor de mim, há muitos outros de quem gosto e aos quais reconheço o direito de também sobreviver e promover seus interesses. Mas o fato de eu respeitar esses meus semelhantes não muda em nada meu ângulo de visão. É só quando amo que consigo olhar, ao mesmo tempo, por duas janelas que não se confundem, a minha e a de meu amado. A estranha experiência ótica faz com que os amantes reconstruam o mundo, enxergando coisas que ficam escondidas para quem só sabe olhar por uma janela.
Entende-se que o amor assim definido exija tempo. Quanto tempo? Um mês, um ano, uma vida, tanto faz. Consumir-se na paixão pode ser rápido, mas reinventar o mundo a dois é uma tarefa de fôlego.

O amor segundo Badiou, em suma, é uma aventura, mas que precisa ser obstinada: "Abandonar a empreitada ao primeiro obstáculo, à primeira divergência séria ou aos primeiros problemas é uma desfiguração do amor. Um amor verdadeiro é o que triunfa duravelmente, às vezes duramente, dos obstáculos que o espaço, o mundo e o tempo lhe propõem".
 

5)       Closer - Perto demais: por que somos infelizes no amor?

Os evolucionistas dizem que os homens são infiéis por necessidade biológica. Para que a espécie continue, os machos seriam programados com o desejo de fecundar todas as fêmeas possíveis. A teoria tem uma falha: as mulheres são tão infiéis quanto os homens (embora os homens se recusem a acreditar nessa banalidade).

O senso comum tem outra explicação: a paixão iria se apagando com a repetição, os humanos gostariam de novidade. Pequeno problema: a idéia de que a novidade seja um valor é especificamente moderna; no entanto a inconstância em amor é um hábito antigo. Outro problema ainda maior: na condução de nossas vidas, somos obstinadamente repetitivos.

[...] Como pode ser que um encontro, em que mal se sabe quem é o outro ou a outra, contenha uma promessa que basta para levar alguém a dar um chute num amor que dura?

Tento responder: apaixonar-se é idealizar o outro, durar no amor é lidar com a realidade do amado ou da amada. Antes de ponderar os charmes da idealização, duas observações.

Um impasse: para manter a paixão, devo continuar idealizando o parceiro. Mas, para idealizar o outro, devo mantê-lo a distância. Se mantenho o outro a distância, renuncio aos prazeres de amor, companheirismo, cumplicidade, convivência.

Um paradoxo: se me separo porque me apaixono por outra ou outro, o parceiro que deixei se distancia de mim, portanto volto a idealizá-lo e a me apaixonar por ele. Por que gostaríamos tanto de idealizar o outro que vislumbramos num novo encontro? Uma nova paixão amorosa é provavelmente o sentimento que mais pode nos transformar, para o bem ou para o mal. Por exemplo, se o outro me idealiza, carrego seu ideal como um casaco novo: modifico minha postura para que o pano caia bem no meu corpo. De uma certa forma, tento me parecer com o ideal que o outro ama em mim.

Cada amor, quando começa, é uma aventura. Não porque encontro um novo parceiro, mas porque, ao me apaixonar, descubro ou invento um novo ideal e, ao ser amado, mudo para me aproximar do que o outro imagina que eu seja.

A inconstância amorosa talvez seja a expressão imediata do desejo de mudar -não de trocar de parceiro, mas de se reinventar. Não é estranho que, na hora em que um amor começa, alguém decida se dar um novo nome. Nenhuma mentira nisso, apenas a convicção e a esperança de que a paixão nos transforme.
Infelizmente, mudar é difícil: a sedução exercida pelos novos amores é uma veleidade, um pouco como as resoluções de que as coisas serão diferentes no ano que começa.

Um homem volta para o lar depois de ter estado nos braços de outra. Sua mulher pergunta: você me ama ainda? Ela tem razão, é a única pergunta que importa. Uma mulher volta para o lar depois de ter estado nos braços de outro. Seu homem pergunta: você esteve com ele? Insiste: quero a verdade. Pede os detalhes: gostou? Gozou? Onde aconteceu, em que posição, quantas vezes?

O ciúme feminino é uma exigência amorosa. O ciúme do homem é uma competição com o outro, um duelo de espadas, uma esgrima homossexual que tem pouco a ver com o amor pela amada e muito a ver com as excitantes lutinhas masculinas da infância.

6) Mentiras sinceras

Talvez a maioria dos relacionamentos amorosos adoeçam e morram por causa disto: não porque o parceiro deixou crescer uma barriga displicente nem porque a gente estaria cansado da mesmice e a fim de novidades, mas porque, ao vivermos juntos, aos poucos, perdemos a generosidade. E a generosidade é (ou, melhor, deveria ser) o próprio do amor; ela está quase sempre presente, aliás, quando a gente se apaixona. Explico.

O amor que nasce idealiza o amado, mas essa idealização é contemplativa, não é normativa. Ou seja, pedimos, eventualmente, que o amado ou a amada estejam perto de nós, mas não que mudem e ainda menos que renunciem a serem quem eles são. Claro, enxergamos neles algo que eles podem não ser, mas o encanto amoroso é justamente esse engano: "Seja como você é, pois é assim que descubro em você tudo o que quero, mesmo que talvez você não seja nada disso". Em suma, o amor, inicialmente, é respeitoso. Se você não é bem o que vejo em você, o engano é meu; amar consiste em querer e saber continuar se enganando. As coisas mudam quando começamos a medir a distância entre o ser amado e o ideal que lhe penduramos nas costas. De repente, o engano nos parece ser uma artimanha do outro; é ele que deveria se emendar para voltar a ser o ideal que inspirava nosso amor.

O encanto do começo se transforma, assim, numa lista inesgotável de pequenas ou grandes exigências. Tudo o que pedimos ao ser amado (que ele ganhe mais, que seja simpático com nossos amigos, que nos acolha com um sorriso, que pare de roncar no nosso ouvido, que leia Goethe em alemão, que não coma com as mãos, que não caminhe na nossa frente na rua, que esteja em casa na hora certa) é apenas um derivativo. O que queremos é a volta do que nós mesmos perdemos: o encanto pelo qual enxergávamos nosso ideal no ser amado. Esse encanto impunha o respeito, ou seja, permitia que deixássemos o amado e a amada serem, simplesmente, eles mesmos.

15) Ilhas desconhecidas

Encontrei a melhor definição do que é viajar numa maravilhosa e breve fábula de José Saramago, que acaba de ser publicada, "O Conto da Ilha Desconhecida" (Companhia das Letras). O protagonista explica assim seu desejo: "Quero encontrar a ilha desconhecida. Quero saber quem eu sou quando nela estiver".

Viajar é isto: deslocar-se para um lugar onde possamos descobrir que há, em nós, algo que não conhecíamos até então. Sem estragar o prazer dos leitores, só direi que, no fim da fábula de Saramago, talvez o protagonista não encontre sua ilha, mas ele encontra uma mulher. A moral da história é incerta, entre duas leituras opostas.

Primeira leitura: quem casa não viaja (a não ser de férias); casar-se é desistir de viajar. É o que pensam, com freqüência, homens e mulheres casados. E é também o que os leva, às vezes, a se separarem. Quando achamos que o outro nos impede de viajar, ou seja, que ele nos priva da aventura de descobrir o que poderia haver de diferente em nós, o casal se torna nosso inimigo. Claro, na maioria dos casos, acusamos o casal de uma inércia que é só nossa.

Exemplo: anos atrás, na França, um amigo se interessava pelas pessoas que desaparecem sem razão aparente e refazem sua vida alhures, sob outro nome, como se tivessem sido vítimas de uma amnésia repentina. Em todos os casos em que meu amigo conseguira entrevistar esses "desaparecidos", os mesmos constatavam que, depois de seu sumiço, em poucos anos, eles tinham reconstruído uma situação de vida parecida com aquela que tinha motivado sua fuga.

Segunda leitura: o protagonista descobre que a mulher ao seu lado é a própria ilha desconhecida que ele procurava e que a verdadeira viagem é o encontro com um outro amado. Faz todo sentido, pois o amor e a viagem, em princípio, têm isto em comum: ambos nos fazem descobrir em nós algo que não estava lá antes.


O outro amado nos transforma. Tanto quanto a chegada numa terra incógnita, ele nos revela algo inesperado em nós.

Por isso, aliás, o viajante e o amante podem esbarrar em problemas análogos: às vezes, ao sermos transformados pela viagem ou pelo amor, não gostamos do que encontramos, não gostamos dos efeitos em nós do amor ou da viagem. Essa é, em geral, a única razão séria para se separar ou para voltar da viagem.

Moral dessa coluna (e talvez da fábula de Saramago): os outros não são nenhum inferno, são uma viagem. Agora, para amar, como para viajar, é preciso ter determinação e coragem.