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Saturday, April 16, 2011

Eucanaã Ferraz sobre Vinicius de Moraes

Livro retrata modernidade da obra de Vinicius de Moraes

da Folha Online
Para atestar a relevância da obra de Vinicius de Moraes, a coleção "Folha Explica" dedica um de seus novos volumes ao poeta. Leia o primeiro capítulo a seguir.
Divulgação
"Vinicius de Moraes", de Eucanaã Ferraz, da série Folha Explica
"Vinicius de Moraes", de Eucanaã Ferraz, da série Folha Explica
A obra sobre Vinicius, assinada pelo também poeta Eucanaã Ferraz, busca abranger com equilíbrio a poesia escrita e a poesia cantada, formadas pelas letras de música vinicianas.
Clássicos como "O Dia da Criação" e "A Bomba Atômica" são observados a partir das relações entre seus jogos internos, suas faturas e seus sentidos, em interpretações objetivamente elucidadoras de seus mistérios. O mesmo se dá na detida exegese que ganham os versos que fizeram de Vinicius o maior sonetista brasileiro do século 20.
Eucanaã Ferraz, poeta e professor de literatura da UFRJ, lista ainda discografia e bibliografia do grande poeta e das parceria com Tom Jobim, com quem criou alguns clássicos da bossa-nova, e com Baden Powell, com quem criou os afro-sambas.
Eucanaã Ferraz é autor de "Martelo" (1997), "Desassombro" (2002), "Rua do Mundo" (2004), entre outros livros de poesia. Organizou "Letra Só", livro de letras de Caetano Veloso (2002), e "Poesia Completa e Prosa", de Vinicius de Moraes (2003).

30 comments:

  1. 1. Vinicius de Moraes


    Na apresentação do seu livro, Ferraz declara que se fala muito do poeta Vinicius de Moraes mas que se lê insuficientemente sua poesia (8). A verdade é que de uma regra geral lê-se menos poesia do que ficção. Não podemos deixar de pensar aqui numa declaração de Leminski no seu ensaio “Poesia: a paixão da linguagem”. Podemos ler: “Poesia não vende. Poesia é um ato de amor entre o poeta e a linguagem. E esse é um território como se fosse assim uma reserva ecológica do mercado em que vivemos que resiste ao fato de se transformar em mercadoria” (331). Porém, poesia bem escrita aliada a uma boa música vende. Ferraz termina o capítulo “A Palavra no Poema” com a constatação de que: “O uso expressivo da metrificação, o tratamento desassombrado da matéria poética numa forma prévia e a capacidade de criar imagens de uma beleza tão surpreendente quanto comunicável foram, sem dúvida, fatores decisivos para o êxito de Vinicius de Moraes como letrista de canções” (45). Para além da sua capacidade de poeta, Ferraz destaca no capítulo “A palavra na Canção” a musicalidade dos poemas de VM. Ferraz escreve que: “E, de fato, seus poemas são marcados pelo que se pode chamar de musicalidade, graças a um conjunto de características que incluem ritmo, timbre, manipulação de deslizamentos sintáticos, fluidez melódica na vocalização, recurso da fala cotidiana etc” (49). O êxito de VM como letrista tem a ver com a sua capacidade de escrita e a musicalidade dos seus poemas mas também, e achamos sobretudo, com os seus temas principais. Embora Ferraz escreva que ao ouvirmos as canções de VM “somos tomados por uma tal beleza que nos parecer desnecessário pensar sobre elas” (8), cremos que isso talvez só seja verdade até certo ponto. As poesias e as canções de VM tocam o leitor e o auditor e os levam sim a pensar sobre os versos ou as letras porque eles têm a ver com as nossas vidas e por isso têm resistido ao tempo e continuarão resistindo. Não podemos deixar de pensar aqui num comentário que ouvimos há uns anos numa aula de literatura. O professor explicava-nos que Shakespeare continuava a ser lido porque era um grande autor mas sobretudo porque os seus poemas, as suas peças, os seus escritos tinham temas atemporais. Sentimos que o mesmo se pode dizer do grande Vinicius de Moraes.

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  2. 2. A balada do poeta pródigo.

    Em “A balada do poeta pródigo”, Wisnik cita Maria Bethânia escrevendo: “No documentário Vinicius, Maria Bethânia diz iluminadamente que o poeta veio para anunciar ao mundo a grandeza e a beleza de amar, e que na verdade dessa entrega estava o recado mais fundo, misterioso e secreto de sua existência” (146). Sendo assim cremos que VM não ficaria aborrecido por nós não “nós arriscamos em textos menos consagrados” (8) como escreve Ferraz na apresentação de Vinicius de Moraes, desde que tenhamos aprendido a sua grande lição sobre o amor. Como explica Wisnik, para VM atirar-se na paixão total e morrer com ela para renascer em outra paixão é o arco cíclico cujos momentos e movimentos são a matéria sutil de muitos dos sonetos de encontros e separações em Vinicius de Moraes (148). Como lemos em O Poeta da Paixão, para Vinicius a poesia se ergue sobre emoções (13). Esta visão tem tudo a ver com a opinião que Antônio Cândido expressa em “Um poema de Vinicius de Moraes” quando ele declara: “Ora, Vinicius é melodioso e não tem medo de manifestar sentimentos, com uma naturalidade que deve desgostar as poéticas de choque, geralmente interessadas em suprimir qualquer marca de espontaneidade e em realçar o cunho de artifício” (159).

    3. Vinicius sumiu, para onde?

    Esta ideia de Drummond de Andrade de um Vinicius vivo algures e rindo de nós todos é bem divertida e interessante. É divertida e interessante porque encaixa perfeitamente na personagem Vinicius de Moraes. Podemos lembrar aqui o episódio, relatado por Castello em O Poeta da Paixão, da fuga com Nelita. Lyra sugere a VM que a rapte e lemos: “Definitivamente imerso no clima de thriller, Vinicius toma a sugestão ao pé da letra e decide que é hora mesmo de fugir” (238). Podemos ler também: “ A fuga é tramada na obscuridade, com procedimentos bem medidos, como se fossem dois criminosos armando a escapada do presídio” (239). Por outro lado, não se podem esquecer o comentário de VM e o pensamento de Lyra que Castello cita em Livro de Letras: “Sabe de uma coisa, parceirinho, eu não acredito mais em arte” (71). VM estava a falar com Lyra que pensou consigo mesmo: “Isso é muito grave. Mais grave do que aquela história de querer morrer” (71). Vinicius mesmo assim continuou a trabalhar e compôr com vários parceiros. Todavia podemos lembrar a declaração que ele faz a Toquinho: “Eu agora só quero dormir quando tenho sono, comer quando tenho fome e beber quando tenho sede” (Livro de Letras 88). Então porque não, talvez Vinicius esteja mesmo algures rindo de nós. Mas mais divertido ainda seria imaginar que aquele senhor bebendo conhaque e declarando Vinicius vivo, fosse o próprio Vinicius com outra aparência física.

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  3. 4. Eu sou Vinicius de Moraes.

    Gostaríamos de destacar um comentário feito por Caetano Veloso neste texto. O comentário tem a ver com o Vinicius letrista. Lemos: “Mas é preciso entender também que essa virada só foi assim tão abrangente porque ele a fez atento à tradição da letra de música popular brasileira, coisa que ele amava desde sempre e conhecia bem. Nas suas valsas, ecoam as antigas valsas; nas cantigas, a cantiga tradicional; nos sambas, o que havia de samba. Só que tudo passado por um filtro novo, que era o da formação da bossa nova, feita por um grupo de pessoas altamente sofisticadas, mas não necessariamente saídas da alta cultura” (218). Este comentário encaixa perfeitamente com uma nota de Ferraz em Vinicius de Moraes em que ele ressalta que Vinicius se acostumou desde menino a viver entre valsas, modinhas, choros, sambas, numa casa em que se tocava violão e cavaquinho (51). Ou seja o Vinicius letrista, e excelente letrista por sinal, talvez não existisse se não tivesse tido o passado que teve tanto de vivência pessoal como professional.

    5. A música popular entra no paraíso.

    Este texto de Drummond de Andrade foi o texto que mais no encantou não só pelo conteúdo mas também pela forma como foi escrito. O leitor consegue imaginar o cenário: Vinicius entrando de copo cheio na mão ao som do violão, trazendo um som novo para o paraíso (como trouxe na terra) e sendo bem acolhido porque tem o dom de encantar as pessoas. São Pedro consegue transformar e apresentar como positivo o que poderia ser considerado pecado e errado. À pergunta de Deus sobre a possibilidade de VM ter sido mais disperso que concentrado, São Pedro responde que: “As duas coisas, mas unidas sutilmente! E essa unidade paradoxal, mas espontânea, produziu os hinos do amor carnal, nos quais foi glorificado o corpo que concedestes às criaturas, e por essa forma glorificou-se a vossa divina Criação” (206). A entrada de VM no paraíso é depois concedida porque VM trouxe alegria ao povo de Deus até mesmo com canções tristes porque : “dava-lhes uma tal doçura e meiguice que as pessoas, ouvindo-as, não sabiam se choravam ou se viam consoladas velhas mágoas” (207).

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  4. 1. Quando acabei de ler os textos para esta semana, fiquei com a sensação de que faltava algo. Me parece que nós só estamos recebendo um lado da história. Todos os autores que falam de VM exaltam-no. Nenhum dos autores tem algo negativo para dizer sobre ele, o trabalho e a vida dele. Será que existe algum escritor que retrate o outro lado, que além de elogiar o VM, faça uma crítica menos subjetiva? Como alunos de pós-graduação, eu penso que é importante aprender sobre todos os lados do mito de VM. De qualquer forma, eu não estou tentando denunciar o poeta, eu adoro as linhas belas da sua poesia (embora o conteúdo, por vezes, me deixe um pouco desconfortável), estou apenas curiosa sobre se existem outras formas de analisar o poeta. E se elas existem, o que diriam?

    2. Como referido pelo Wisnik, “ninguém duvidaria que a mulher está no ponto crucial de toda a poética de Vinícius” (148). Claro que a paixão dentro do Vinicius nasce por causa das mulheres e a própria paixão que ele teve por elas. Um pouco mais adiante Wisnik explica que a paixão de Vinicius por uma mulher dura e queima “enquanto dure” só para morrer eventualmente e depois re-nascer com o descobrimento de uma nova paixão e de uma nova mulher. Eu gostei muito desta análise e de como ele descreve o nascimento e o morte de paixão e a correlação disso com o nascimento e o morte da poesia de VM. As mulheres foram as musas para Vinicius, com o começo de um relacionamento/casamento nasceram novas idéias, matérias, assuntos para sua poesia. Isto me faz pensar em como cada relacionamento novo, nos anima. Um aventura está começando e com esta aventura nascem novas idéias e percepções, uma perspectiva nova do mundo. É obvio como esta mudança e (re)nascimento de emoções pode transformar-se em poesia. Para voltar ao Vinicius, se um poema não é diretamente sobre as mulheres, elas são claramente uma parte do fundo. As mulheres lhe dão a motivação para a letra, além da ajuda dos seus parceiros. As mulheres nascem com o começo do poema e morrem com o fim, mas sempre existem em espírito por toda parte da sua poesia.

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  5. 3. Em o pequeno capítulo por João Ribeiro de O caminho para a distância, ele menciona o poema “Velhice”. Será que este poema podia ser relevante nos tempos modernos, e no estado instável dos Estados Unidos? Eu acho que Vinicius retratou nesta poema o que os idosos agora estão sentindo em relação ao governo. Agora, neste país, a ajuda do governo para os idosos está diminuindo e eu imagino como isso os faz sentir. É como se o governo se queira esquecer que os idosos existem, que eles não passaram toda a vida pagando as taxas. Se eu fosse uma idosa neste tempo, perguntando se eu poderia pagar a minha medicação, eu me sentiria do mesmo jeito que o poema retrata os sentido de ser velho, “o velho cujo único valor é ser o cadáver de uma mocidade criadora” (24).

    4. Como explica Ferraz, o poema de Vinicius “A bomba atômica” não é só sobre uma bomba: a bomba é uma metáfora para uma mulher. O Vinicius professa o seu amor em relação à bomba, e personifica a bomba com a atribuição de sentidos humanos. Há uma parte de Vinicius que mostra empatia pela bomba. Enquanto esta análise do poema é uma boa explicação da metáfora, eu me pergunto se é possível que o Vinicius também faça parte da bomba. Talvez, além do que é obvio, Vinicius veja a si mesmo na bomba também. As linhas, “Coitada da bomba atômica / Que não gosta de matar!,” me faz pensar assim (II, 8-9). Eu creio que quando ele fala estas linhas, ele está falando de si mesmo. Vinicius está mostrando empatia para si mesmo, para também mostrar que ele não queria que as suas esposas sentissem dor por causa dele. Quando ele fala “que não gosta de matar!,” eu penso que ele está dizendo que ele não pretendia causar tristeza a ninguém, especificamente às suas mulheres. Eu acho que Vinicius, neste sentido, também pode ser interpretada como, “A bomba atômica”.

    5. Eu penso que o Ferraz também fez uma boa análise do poema, “Eu Sei Que Vou te Amar”. Ferraz descreve o poema como “simples mas extremamente expressivo,” ao mesmo tempo (57). E isso é verdade, onde, normalmente, há banalidade na redundância das palavras, Vinicius encontra uma maneira de expressar este amor simplesmente e apaixonadamente, o que não faz o leitor pensar na repetição mas no significado das palavras. Ferraz explica também que na construção da letra Vinicius “se manipula a repetição e suas variações sutis, como num jogo de encaixe” e com as repetições delicadezas, Vinicius encanta o ouvinte até um nível que é quase impossível de resistir (58). Eu concordo com a análise de Ferraz, e que através da repetição das palavras simples emergem uma mensagem de amor intensamente apaixonado, um amor com um objetivo e sem fim. Nas palavras de Ferraz, as repetições expressam certezas intensas e, com sucesso, transmitem a mensagem ao destinatário pela melodia que indica permanência e intensidade, e simplesmente pela palavra.

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  6. Cecilia FigueiredoApril 18, 2011 at 7:18 PM

    Lembro-me quando Vinicius de Moraes entrou na minha vida. Sua popularidade, principalmente como músico e letrista da MPB. Vinicius foi-me apresentado pelo professor Dário Borim, há uns anos atrás. Apaixonei-me pela sua poesia. Assim, familiarizei-me bastante com alguns versos de Vinicius, apropriei-me de sua poesia e observando as coisas do mundo, muitas recém-descobertas por mim, através de uma polissemia aprendida com Vinicius. Contudo, antes mesmo que eu houvesse sequer descoberto Vinicius, António Cândido já havia notado isto, que levei alguns anos para descobrir sozinha:
    Os poetas que valem realmente fazem a poesia dizer mais coisas do que dizia antes deles. Por isso precisamos deles para ver e sentir melhor, e eles não dependem das modas nem das escolas, porque as modas passam e os poetas ficam. Se hoje dermos um balanço no que Vinicius de Moraes ensinou à poesia brasileira, é capaz de nem percebermos quanto contribuiu, porque, justamente por ter contribuído muito, o que fez de novo entrou para a circulação, tornou-se moeda corrente e linguagem de todos. (O observador literário 103).

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  7. Cecilia FigueiredoApril 18, 2011 at 7:20 PM

    Essa impressão de familiaridade que todos analisamos diante da obra poética ou musical de Vinicius contribui para que possamos eleger, paradoxalmente, uma posição com pouca separação crítica em relação à sua obra poética ou musical, pois, ao considerarmos suas canções e seus poemas algo expressivamente próximos, tendemos a subentender que os compreendemos sem a necessidade de um exame crítico. Em parte, essa raridade também se deve ao mito que foi erigido em torno da figura do poeta e letrista, seu perfil boemio, amoroso, apaixonado e muitas vezes burlesco. Na apresentação de seu livro, Eucanaã Ferraz afirma o seguinte:
    Vinicius de Moraes (1913-1980) é o caso típico do artista que, ao longo do tempo, foi sendo sobreposto à própria obra. Fala-se muito do poeta, mas lê-se insuficientemente sua poesia; sabemos de cor alguns de seus versos, mas não 10 raro estancamos ali, sem seguir adiante, ou, se avançamos com a atenção devida, nem sempre nos arriscamos em textos menos consagrados; ao ouvir suas canções, somos tomados por uma tal beleza que nos parece desnecessário pensar sobre elas; repetimos uma série de opiniões de tal modo cristalizadas que parecem prescindir do confronto com a apreciação crítica da obra. (Vinicius de Moraes 8).
    A resulta desse género de conformidade a uma leitura cristalizada e algumas vezes pouco arrojada é uma fortuna crítica ainda diminuta para o conhecimento pleno de uma obra e de um autor tão relevante, bem como a concreção de alguns conceitos que, se não enganosos, ao menos despistam a crítica de outras questões consideravelmente importantes.
    Procurando avançar na crítica sobre o poeta e sua obra, Eucanaã Ferraz, em Vinicius de Moraes, propõe-se alistar e discutir as principais características da poética viniciana, encarrilando, corajosamente, por trigais que não têm a simples divisória da obra do poeta em duas fases, divisão esta que, embora sirva de apoio para análise, mostra-se frágil, levando a exegeses e abordagens críticas hirtas ou incompletas, como se a poesia de Vinicius de Moraes se ostentasse em duas categorias estanques, cristalizada nas formas das fases, sem uma relativização fundamental. Assim, Ferraz aponta que é possível e, particularmente, necessário pensar o poeta tentando encontrar aspectos incomuns ou buscando ajuntar novas contribuições àquelas leituras já aclamadas, pois bem como a poesia viniciana, também a crítica de sua poesia ainda tem a nos dizer muito mais do que aquilo que já foi dito.

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  8. Cecilia FigueiredoApril 18, 2011 at 7:21 PM

    Assenta, então, seguir o rasto aberto por esse encaminhamento crítico e pensar além das cristalizações. Isto é, refletir sobre um livro que, na tentativa de entendimento da obra do poeta, acabou sem auferir a devida atenção, sendo qualificado comodamente como mero ponto divisor da obra, sem que tão-pouco haja uma aprofundação de reflexão acerca desta concepção. E se “toda leitura exige que se desconfie da comodidade” (10), mostra-se necessário reconsiderar o livro Cinco elegias, pois trata-se de obra muitíssimo importante não apenas por seu valor relativo, o qual o coloca como “divisor de águas” entre as duas fases do poeta, mas também por seu valor absoluto, enquanto obra literária e, particularmente, enquanto produto viniciana de relevo significante dentro de sua poesia.

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  9. A Balada do Poeta Pródigo de José Miguel Wisnik tenta resumir três fatores importantes do nosso poeta Vinicius Moraes. Primeiro a razão do poeta, segundo o seu objetivo principal em escrever os seus poemas e finalmente a sua influência infinita mesmo depois da sua morte. Primeiro “o poeta veio para anunciar ao mundo a grandeza e a beleza de amar, e que na verdade dessa entrega estava o recado mais fundo, misterioso e secreto da sua existência (146). Vinicius viveu a sua vida vivendo os amores e paixões que escrevia, por isso os seus poemas funcionarem porque gritavam a realidade vivida. As pessoas associavam-se as suas palavras como também a sua maneira transparente da sua vida. Há uma linha fundamental da cantiga de Edeb Ahbez, “Nature Boy” que resume perfeitamente este sentimento essencial como que o VM interpretou a sua vida, e é “the greatest thing ...was just to love and be loved in return”. Segundo o seu objetivo principal em escrever os seus poemas depois de amar é a paixão. “Ninguém duvidaria que a mulher está no ponto crucial de toda a poética de Vinicius, e que é delas que ele espera a salvação e o abismo, o incêndio redentor. No plano intersubjetivo, esse incêndio chama-se paixão, e dessa chama, como se sabe, se deseja que seja infinita “enquanto dure”. Assim atirar-se na paixão total e morrer com ela para renascer em outra paixão é o arco cíclico cujo momentos e movimentos são a matéria subtil de muitos dos sonetos de encontros e separações em Vinicius de Moraes” (148). Mesmo sabendo que o amor e a paixão podem não durar eternamente não é por isso que devemos de abandonar a esses sentimentos para nos sentir completos. Finalmente, o VM foi grande poeta porque conhecia o amor/paixão e soube escrever lho como uma simplicidade que todos podiam apreciar. “Vinicius de Moraes não poderia resistir, é claro, a ser o cantor desse mundo nascente, cheio das promessas férteis e frustradas do Brasil moderno, que ele mesmo percebeu tão precocemente a ponto de parecer tê-lo adivinhado, sempre através da mulher” (149). “O poetinha” do povo porque era do povo.

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  10. 1. Vinicius de fato não morreu.
    Esta crónica de Carlos Drummond de Andrade é excepcional na medida em que reúne em três páginas assuntos tão importantes como a vida e a morte. De uma maneira muito sui géneres ele evoca a vida de Vinicius. Rodeado pela multidão, adorado pelos artistas, invejado pelos políticos, amado pelas mulheres, Vinicius “não deve nada ao povo nem às elites, ele deu a todos a poesia que desejava dar”. Isso mesmo: a poesia que desejava dar, porque o poeta é dono da caneta e do papel no momento que escreve.
    Também vejo neste texto uma crítica aos que privaram com ele. Ou seja, foram como uma espécie de sanguessugas. Quanto mais ele dava mais queriam. “quer dizer que ele nos abandonou, renunciou ao companheirismo, à participação social, ao DEVER DO POETA?” Dever do poeta! Mas o poeta tem deveres? Se tinha, Vinicius rompeu com eles e por isso
    Drummond escreveu que Vinicius foi o único poeta que ousou viver como poeta.
    O poeta é como uma ave, voa livre para poder ver de cima as coisas que quer escrever. O poeta é vagabundo para falar da pobreza, capitalista para criticar a exploração, é católico para denuniciar os dogmas é homem para conquistar, é mulher para ser conquistado. E por ter sido tudo isso ele já não se pertencia: “porque ele já não se pertencia, era propriedade geral, e propriedade geral deixa de ser gente para ser coisa indefinida.”
    Talvez por isso mesmo Vinicius tenha, em determinado ponto, desejado morrer para regressar à sua origem. Deixar os bares e os shows da vida e fazer o seu grande último verso: a canção da sua vida. Nessa medida ele não morreu porque a canção uma vez cantada nunca mais morre. Anda de boca em boca nas manhãs soltas das cidades e dos campos.

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  11. 2. Neste meu segundo post eu vou permitir-me discordar da nossa querida colega Serena quando pergunta se não haverá uma visão crítica da vida de Vinicius. Para tal vou citar as palavras de Caetano: “Toda essa cena descreve a doçura da sua alma, a capacidade de receptividade que ele tinha. É incrível que uma pessoa tão inventiva fosse tão receptiva. Isso não é frequente”. Vinicius não era frequente, Vinicius era a excepção por isso ele dizia ser o branco mais preto do Brasil. Isto é fantastico, ou seja, essa capacidade de se colocar ao lado do outro – não á frente nem atrás, mas ao lado- a humildade de um homem que se desprendeu da sua capacidade intelectual, financeira e social que poderia ter mantido. Ele reconheceu tudo isso “com aquela imensa doçura da alma dele”.
    E para mim o que o torna GRANDE é que apesar da sua capacidade intelectual e da sua ambição, ele foi o mais humilde de todos. E isso é que o torna único, humano, com certeza, pois também foi um homem que sofreu e errou por amor (mas quando se erra por amor o perdão divinal está garantido!). Eu até atrevo-me dizer que Vinicius foi uma espécie de Jesus Cristo da poesia. Houve o A.C. e D.C. e com vinicius houve “o que se tinha feito antes e o que se faria depois”. Jesus fez-se homem para salvar a humanidade, Vinicius veio do erudito para o popular para “salvar” a música popular brasileira. Isso lembra-me um livro quando era adolescente de Richard Bach e do qual já não me lembro do nome, mas que dizia que todos nós podemos ser Jesus, podemos fazer milagres. Caetano diz isso mesmo: “o modo como ele se envolveu com a política de luta pela justiça social, enfim, todo esse conjunto representa a personificação poética de Vinicius; são desdobramentos da poesia dele. E tudo isso para ele vinha com muita facilidade, como os versos, as rimas, a elegância da linguagem, a inspiração.” (mas é claro que para termos a capacidade de vermos em todos nós um possível Jesus Cristo temos de nos livrar do manto da pseudo santidade imposta pela Igreja!).
    Nas palavras de Caetano, Vinicius “foi um grande herói histórico brasileiro” porque foi capaz de traçar a sua própria trajetória, oposta à dos intelectuais. Mas atenção, ele só fez isso porque sabia que o poderia fazer. Vejam as palavras de Caetano: “O Vinicius se encharcou de toda a impureza. Há até canções em que ele realmente beira a mera vulgaridade. E ele não se incomodava com isso, porque era puro, porque sabia que podia fazê-lo permanecendo puro. Esse entregar-se puramente às impurezas é a pureza última, é a pureza maxima.” . Isso só é possível quando se atinge um tal grau de genialidade e, Vinicius era genial. Quando se é genial não há crítica possível! Além do mais, o poeta que escolhe a mulher como tema fundamental da sua poesia é, o poeta dos poetas, é o poeta da criação ou não fosse a mulher a mãe do mundo!
    (nota: juro que ainda não tinha lido a A música popular entra no paraíso quando fiz essa comparação com Jesus Cristo. Fartei-me de rir quando a li e não pude deixar de pensar que talvez também tenha “outras parecências” com Vinicius…só o professor entende!lol)

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  12. 2. Vinicius sumiu, para onde? De Carlos Drummond de Andrade foi um resume espetacular. Ao ler deu-me a entender que “o desconhecido sozinho na mesa do bar” (209) e que “falava no mesmo tom convicto, mas tranquilo, já pelo terceiro conhaque” (211) pudesse ser mesmo o VM reincarnado um ano mais tarde para explicar que ele “Vinicius simplesmente não morreu” (209). “e que o poeta continua vivo, aqui na Terra, em lugar inteiramente à prova de chateações e cuidados, numa boa total” (210). Que resumo bonito da vida de VM e a sua morte não completa. Sim, obviamente ele vive em todas as suas obras e memórias de todos mas será que o espírito de VM continua aqui na Terra observando todos e inspirando outros artistas? “Preferia deixar à sua imaginação de cada um a descoberta do mistério. Não seria o primeiro desaparecido que...nem a primeira identidade que... (...) Muito, muito exagerado” (211). Não se pode falar do desaparecimento de VM se ele continua inspirando os artistas e as pessoas do povo. O espírito dele continua vivendo.

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  13. 3. Eu sou Vinicius Moraes de Caetano Veloso foi querido com o desentendimento de identidade com o Haroldo Costa. Mesmo não conhecendo o VM duma maneira mais íntima o Caetano Veloso resumiu o VM e a sua criatividade. ‘’É incrível que uma pessoa tão inventiva fosse tão receptiva” (215). Os artistas geralmente não são consumidores da sociedade mas sim emitam uma outra energia à sociedade. O VM não só consumiu essa sociedade mas soube explicar essa consumição. “O Vinicius formou grande parte da auto imagem do Brasil (...) ele foi um grande herói histórico brasileiro (...) O Vinicius foi uma grande obra-prima literária viva” (217). Ele escreveu a realidade que ele via e vivia mesmo sendo “impuro” ou os podres da sociedade. “O Vinicius se encharcou de toda a impureza. Há até canções em que ele realmente beira a mera vulgaridade. E ele não se incomodava com isso, porque era puro, porque sabia que podia faze-lo permanecendo puro. Esse entregar-se puramente às impurezas é a pureza última, é a pureza máxima” (221). Para entender estes atributos temos que entender que o Vinicius era um homem apaixonado pela vida e a sua vida representava esta verdade intima. “O Vinicius era do estilo das paixões renovadas, das grandes paixões, e isso define muito a pessoa dele, todo mundo o reconhece como um homem que se dedicou a se apaixonar, tantas vezes quanto possível, e a escrever, viver e compor a partir disso” (221).

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  14. 4. Em O caminho para a distância de Otavio de Faria ele resume o VM desta maneira: “se esse livro é o que se pode chamar um livro vivo, ele o é pela razão fundamental de que por detrás de suas poesias há um poeta vivendo e vivendo de um modo especialmente intenso” (88). O sucesso de VM não funcionaria se ele não tivesse entregado a paixão totalmente. Era a única maneira que ele sabia viver – o abandono total. Mas mesmo sem saber como ele viveu a sua vida ele não poderia escrever as coisas que ele escreveu com a sua intensa simplicidade se ele não as tivesse vivido totalmente. As palavras e os ritmos não funcionavam, as imagens deixariam de existir na mente dos leitores e os seus poemas continuavam vivendo uma vida silenciosa se os poemas não tivessem tido tanto sucesso. “Por melhores que sejam, os poemas vêm sempre nele depois do poeta. Contam, sem dúvida contam muito – mas contam sobretudo como manifestação da imensa força poética que está por detrás deles” (94). Eu penso que há três partes muito importante em ler os poemas do Vinicius. Primeiro ele tinha que viver uma vida vivida e quanto mais louca melhor. Segundo por causa dessa vida vivida ele pôde transmitir essa energia em palavras simples mas inesquecíveis. Terceiro os leitores absorverem essa energia e identificarem com as sua-a palavras porque também viverem a sua vida assim e essa energia era conhecida nas suas próprias vidas. Foi um espelho que mostrou a identidade dos Brasileiros e por isso foi uma das razoes do sucesso do Vinicius.

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  15. 5. Num dos seus poemas “Velhice” o VM apresenta que a velhice é o fim da paixão e por isso é uma “vida sem vida”. VM, durante a sua vida está sempre à procura da paixão, por isso casou-se nove vezes. Será que se casou porque queria evitar a velhice e procurou a juventude na forma de uma mulher bonita, jovem e cheia de vida? Nunca desistiu, mas, me parece que ao escrever este poema ele reconhece que o fim da paixão começa com a entrada da velhice. Ele não desiste da ideia da paixão mas reconhece que a velhice é o princípio do fim. “O eterno velho que nada é, nada vale, nada vive O velho cujo único valor é ser o cadáver de uma mocidade criadora” (84). A velhice traz muita coisa de sabedoria mas não era isso que o Vinicius queria. Ele não queria a paixão serena e passiva mas sim uma paixão expulsiva e extrema. Uma paixão renascente e crua e extrema. Isto dava vida ao Vinicius e isto o identificava como um ser e sem isto ele não era o Vinicius nem um homem mas simplesmente era um ser oco.

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  16. 1- A linguagem e a poesia de Vinicius de Moraes
    A linguagem é em Vinicius de Moraes como em outros poetas a forma de veiculação e um pensamento, de uma ideia ou de um sentimento, mas verificamos no “poetinha”, tal como Ferraz destaca, que uma pluralidade de formas e de ritmos que não só o destacam dos demais, como o colocam num outro patamar da criação artística.
    Mas, tal como Ferraz explica, a linguagem no seu sentido mais simples assume em Vinicius sempre um forma de altivez em que “o distanciamento da língua usual não impede, como contrapartida, a absorção de traços coloquiais, do vocabulário e da sintaxe correntes” (9) e esta é sem dúvida a principal marca da sua obra. Ou seja, na sua poesia podemos detectar as várias fases que o poeta atravessou no seu crescimento artístico, partindo de uma fase mais mística até alcançar uma “liberdade” através da poesia em forma de letra de música, embora ultrapassando sempre o seu tempo ou a forma em que escrevia, através da subversão da rima até à introdução de vocabulário mais coloquial naqueles que eram esperados como poemas mais líricos e é nessa dicotomia entre género e forma que Vinicius de Moraes encontrou a sua liberdade, a cada nova obra na qual renovava a imagem, o estilo e a temática.
    Embora possamos pensar que esta liberdade é implícita em todos os grandes artistas, verificamos que a liberdade o conduz a uma variedade de estilos e de vocabulário que, a nosso ver, se aproximam em muito, à sua própria liberdade e variedade pela qual sempre geriu a sua vida civil.
    Muito poderíamos dizer sobre a sua poesia, mas tal com Ferraz o faz destacaremos o tema do Amor como aquele que é, porventura, a imagem que mais rapidamente associamos a Vinicius de Moraes quer na poesia como na música. “Eu Sei Que Vou te Amar” é um excelente exemplo de como a linguagem se submete à sua forma e como a significação varia de acordo com o uso e o contexto, e se perante este poema podemos constatar diversos artifícios literários como a repetição e a rigorosa formulação, é através de uma linguagem simples que o poeta nos transmite uma das suas mais profundas mensagens através da afirmação sem margens para dúvida de que o amor é um bem a preservar e a cultivar.
    Em jeito de conclusão, pensamos que Vinicius de Moraes, embora poeta de génio e único, encontrou na forma de letrista a melhor maneira de transparecer os seus poemas e a sua arte, de forma talvez menos subtil e de arte maior, para muitos do seu tempo, mas de forma, a que a mesma seja até hoje incontornável forma de arte.

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  17. 2- O poeta imortal
    Drummond de Andrade conta ao seu leitor uma história que pode ser entendida como uma efabulação de um mito, embora seja muito mais do que isso, uma vez que perante gente das ciências exactas um bêbado (bebendo conhaque e não whisky, interessantemente) afirma com toda a convicção que Vinicius se teria refugiado do mundo dos vivos e não morrido. Embora esta seja uma leitura rápida, muitos se terão perguntado se estaríamos perante uma metáfora da morte através das palavras de um bêbado ou se o mesmo acreditaria piamente naquilo que verbalizava e chegamos à conclusão que este discurso tem muito mais para além do simples facto de esta conversa ter lugar um ano depois da sua morte física.
    Este pequeno diálogo, a meu ver ironicamente colocado num bar quer transmitir que a morte de um grande poeta, primeiramente nunca encerra a sua obra, mas é mais que isso, pois estamos face a um poeta genial que em vida soube manter a sua individualidade e a sua liberdade, mas que perante a glória e a fama em doses excessivas esse mesmo génio pode sucumbir e perder-se. Vinicius tornara-se “propriedade geral” e como tal a sua vida passava a pertencer e ao povo brasileiro e interessantemente para o bêbado esta é uma característica negativa que levaria à morte não física, mas para a arte o que magicamente não teria acontecido com o “poeta da paixão”, e isto porque ele teria sabido recolher-se na hora certa, simulando uma morte para vida, mas refugiando-se numa outra cidade (imaginária) denominada de Pasárgada e na qual segundo Manuel Bandeira, tudo é paz e onde só há mulheres bonitas, tal como Vinicius sonharia.

    3- A poesia vem da mulher
    Da leitura do artigo de Wisnik “A Balada do Poeta Pródigo” várias são as ilações a tirar, mas de todas elas sobressai a ideia de estarmos face um poeta desconcertante em termos de estética literária como tão bem definiu Manuel Bandeira, mas que tem a mulher como ponto fulcral da sua poesia, e “é delas que ele espera a salvação e o abismo, o incêndio redentor”. Interessante é o facto de esta figura transversal a todas as suas fases e onde através do feminino o poeta foi personificando o bom e mau da vida e da humanidade, elevando o seu papel e usando-as como forte crítica social quer nos poemas enumerados por Wisnik como em outros como “Rosa de Hiroshima” e nesta complexidade de tópicos e de diferentes versificações que o poeta encontrou a sua unidade, embora nunca tenha abandonado aquela inspiração lírica que caracterizou a sua primeira fase. É verdade que Wisnik poderia ter dito muito mais sobre a mulher e a poesia de Vinicius, mas sabemos que esse era tema para um livro, mas oferece-nos o cerne da questão, para que a partir desta sua conceptualização da arte ligada à mulher como objecto libertador, em última análise na morte, melhor possamos compreender como o poeta era e será sempre único na forma como atravessou a vida e a foi recheando de diferentes géneros, embora sempre tenha “cantado” o estado da vida moderna brasileira, de forma precoce e através da mulher.

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  18. 4- O poeta humilde
    Sérgio Milliet termina o seu artigo da seguinte maneira: “O grande poeta é o que assim se coloca diante da vida, humilde e receptivo.” (158)
    Na minha opinião esta conclusão de Milliet ajusta-se perfeitamente a Vinicius de Moraes por tudo aquilo que temos vindo a ler e a conhecer da sua vida e obra. Estamos perante um artista ímpar que atingiu o auge e soube ser reconhecido como grande artista que foi no seu tempo, através da poesia e sobretudo como letrista, mas é simultaneamente um artista que nunca deixou de lado a simplicidade e a humanidade da vida quotidiana.
    Homem grandioso para o seu público, simples e aberto para todos os que frequentavam a sua casa, Vinicius de Moraes nunca deixou de escrever uma poesia digna na forma, mas que surpreendeu constantemente e causou algum medo perante a novidade que ia introduzindo, embora como Milliet nos chame à atenção, a sua poesia vestiu-se na forma de modo digno, falou dos assuntos que mais negativos eram na sua sociedade e conduziu os seus leitores a um “abismo do preciosismo” (157) mas nunca abandonou o seu leitor e sempre foi o guia perfeito.
    Este é um poeta que soube conjugar as suas fragilidades enquanto homem perante a criação poética.

    5- Música e poesia
    António Candido no seu artigo “Um Poema de Vinicius de Moraes” afirma nas primeiras linhas que há uma flutuação na forma como os poetas vão sendo adorados ou odiados ao longo da sua vida, mas essa mesma flutuação foi no caso do poeta da paixão uma flutuação que esteve ligada às suas escolhas e não à sua arte, uma vez que Vinicius de Moraes foi duramente criticado por um lado mais conservador no momento em que dedica a uma outra vertente de fazer poesia: a de escrever letras para músicas.
    Foi um poeta que dominou o verso como poucos, mas que não ficou preso a um única forma, jogando de forma constante com todas as possibilidades, e na música usou todo a sua mestria cultivando uma melodia que lhe parece natural e sem medo de demonstrar os seus sentimentos perante os outros. E foi a sua naturalidade que o distinguiu no seu tempo e ainda hoje e que o conduziu a uma escrita distinta onde até a construção das expressões mais fortes e até violentas surgiam a partir da serenidade, tal como afirma Candido em relação a “Balada do Mangue” (161).
    Em conclusão, a poesia aliada à música surge em Vinicius como natural tendo em conta o seu percurso poético, embora não possamos afirmar que estejamos perante uma ruptura, mas sim perante uma continuação.

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  19. “A Música Popular Entra No Paraíso” é uma interessante alegoria na qual Drummond de Andrade manifesta uma opinião favorável à pessoa / alma de Vinicius num diálogo em que São Pedro elogia e aplaude a vida do poeta convencendo a Deus que lhe permita entrada no Paraíso. Esta leitura fez-me pensar em Gil Vicente, famoso poeta do século XVI, autor do “Auto da Barca do Inferno”. Diz-se "Barca do Inferno", porque quase todos os candidatos às duas barcas em cena – a do Inferno, com o seu Diabo, e a da Glória, com o Anjo– seguem na primeira.
    Para se compreender o “Auto da Barca do Inferno” deve-se ter em mente que essa obra foi escrita em um período da história que corresponde à transição da Idade média para a Idade Moderna. Gil Vicente, enquadra-se justamente nesse momento de transição, ou seja, está ligado tanto ao medievalismo quanto ao humanismo. Esse conflito faz com que Gil Vicente pense em Deus e ao mesmo tempo exalte o homem livre. O reflexo desse conflito interior é visto claramente em sua obra, pois ao mesmo tempo em que critica, de forma impiedosa, toda a sociedade de seu tempo, adoptando assim uma postura moderna, ainda tem o pensamento voltado para Deus, característica típica do mundo medieval.
    Ora bem, podemos dizer que Vinicius, de modo semelhante, atravessou várias fases de transição na sua vida. Dotado de uma formação religiosa, nunca abdicou completamente de certos valores, se bem que nem sempre tenha vivido segundo a “lei cristã”. Nas palavras de Wisnik, Vinicius passa da “...mística idealizante à aproximação do mundo material (mas sem perder a espiritualidade), da poesia transcendental à dissipação moderna (mas sem perder a ressonância com a tradição), da poesia literária à canção (mas sem perder a poesia)...” (145).
    Voltando a Carlos Drummond e à sua “alegoria”, podemos argumentar que, tendo Vinicius casado nove vezes e vivido uma vida boémia, certamente não seria este modo de viver merecedor dos elogios de São Pedro. No entanto não nos esqueçamos que, não obstante o que foi dito, tudo aquilo que o poeta conquistou – a sua paixão, os seus poemas, o seu amor por tudo e por todos - seria nos olhos de Carlos Drummond, bem como nos de muitos outros, mais do que suficiente para superar esses “pequenos defeitos humanos”.

    O testemunho de Caetano Veloso ao citar as palavras de Vinicius, “ Eu, Vinicius de Moraes, o branco mais preto do Brasil” (214), atesta precisamente uma das facetas muito humanas de Vinicius. Caetano continua nesse depoimento inédito afirmando que apesar de Vinicius na sua juventude ter tido uma "vivência intelectual e mesmo política muito diferente (...) mergulhou fundo nessa relação amorosa com as nossas origens negras, com a nossa afro-descendência (...) Vinicius reconheceu isso com aquela imensa doçura da alma dele. A entrega foi muito grande, e a total ausência de cuidado com a manutenção do status anterior, até aos últimos dias da vida dele é comovente” (214) . O modo como Vinicius se envolveu com a política pela justiça social diz muito àcerca da sua pessoa e de certa forma representa a sua personalidade poética.

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  20. “Poemas Sonetos e Baladas”
    Em “A Balada do Poeta Pródigo”, José Miguel Wisnik foca vários pontos de interesse para o estudo de Vinicius, os quais me chamaram a atenção. Passo a citá-los sem legenda, pois estou certa de que falam por si próprios.

    1. “No arco do seu itinerário de vida, que podemos olhar já à distância, tudo indica que Vinicius de Moraes não quis restringir-se ao cultivo rigoroso da poesia mais densa, mais seleta e rarefeita, não quis assumir qualquer filtro purista como modo de conduta, não quis confinar-se, em suma, no nicho dos estetas, embora tivesse poder de fogo de sobra para isso, considerada a alta qualidade do seu verso e da sua imaginação poética” (145).

    2. “No documentário Vinicius, Maria Bethânia diz iluminadamente que o poeta veio para anunciar ao mundo a grandeza e a beleza de amar, e que na verdade dessa entrega estava o recado mais profundo, misterioso e secreto de sua existência. No mesmo documentário, Chico Buarque revela que, em Vinicius de Moraes, tudo que se acumulava logo se dissipava (....) a maçaroca das notas (...) se espalhava desordenadamente, desaparecendo como chegava, sem deixar traço” (146).

    3. “Ninguém duvidaria que a mulher está no ponto crucial de toda a poética de Vinicius, e que é dela que ele espera a salvação e o abismo, o incêndio redentor. No plano intersubjectivo, esse incêndio chama-se paixão, e dessa chama, como se sabe, se deseja que seja infinita enquanto dure” (148).

    Octávio Faria escreve que “O Caminho para a Distância”, não teve, naturalmente, o acolhimento que merecia” (85). Justificando mais adiante, “...o fio que une todos esses poemas não é muito facilmente acompanhável por quem não tenha ainda construído no seu espírito a figura total do poeta – que é na verdade a explicação final de tudo” (86). No entanto, explica-nos que, “O que falta ao livro em medida, em perfeição técnica, ‘em experiência poética’ sobretudo, sobra, seguramente, em grandeza, em abundância, em riqueza” (87). Octávio Faria conclui que à parte de alguns “senões” atribuídos ao livro pela crítica, senões esses que se vão desvanecendo progressivamente ao longo das páginas, dando lugar a um aperfeiçoamento na técnica do poeta, “O Caminho para a Distância” não deixa de ser um “livro vivo”. “...ele o é pela razão fundamental de que por detrás de suas poesias há um poeta vivendo e vivendo de um modo especialmente intenso” (...) Na verdade, o livro prossegue, em busca e no caminho que leva à distância - que, naturalmente, o poeta não alcançou” (88).

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  21. Em “Vinicius de Moraes”, Eucanaã Ferraz escreve sobre a transitoriedade da palavra no poema para a palavra na canção. Começa por fazer uma análise da “Antologia Poética”, destacando cada uma das sua fases e continua analisando os demais poemas através da obra poética de Vinicius focando-se na importância da “palavra no poema”. Eucanaã remete para a precisa observação de Antonio Candido de que “a poesia de Vinicius tem a capacidade de se apegar às coisas pequenas e humildes para lhes dar uma gravidade que não vem do tom, mas da estrutura latente de paradoxo que enforma sua poesia” (30).
    Eucanaã menciona certas características de Vinicius que são responsáveis pelo sucesso do mesmo como letrista de canções, entre as quais se destacam, “o uso expressivo da metrificação, o tratamento desassombrado da matéria poética numa forma prévia e a capacidade de criar imagens de uma beleza tão surpreendente quanto comunicável...” (45).

    Tom Jobim fala-nos da versatilidade espantosa de VM “...é o poeta que sabe comungar com um crioulo de morro e bater um samba com a faca na garrafa” (48). Vinicius conhecia a “música da palavra”. Eucanaã afirma que “...de fato, seus poemas são marcados pelo que se pode chamar de musicalidade, graças a um conjunto de características que incluem ritmo, timbre, manipulação de deslizamentos sintáticos, fluidez melódica na vocalização, recursos da fala cotidiana etc” (49).

    Eucanaã fala-nos ainda sobre o grande tema viniciano “amor-problema”, “...optar por não amar seria a saída para os que prezam a paz acima do amor” (72). Conclui dizendo que “A utopia máxima do cancioneiro viniciano é, definitivamente, a existência do amor em paz” (73). Poder-se-á então dizer que a vida de Vinicius terá sido uma procura constante deste lugar idílico?

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  22. 1. Vinicius Sumiu. Para Onde?: Quando li este artigo fez me lembrar quando o Elvis Presley morreu. Desde a morte dele eu sempre ouvir dizer a mesma história, que ele não está morto, que ele está guardado num sítio retirado, disfarçado para ninguém o conhecer. É típico uma história dessas emergir quando uma pessoa famosa morre. Acho que as pessoas não podem acreditar que a pessoa faleceu ou talvez não querem acreditar e então inventam uma historia que o falecido não está morto mas que ele retirou-se para um lugar onde ele pode descansar e onde ele não vai ser mais incomodado pelo povo. No caso do VM poderia ser acreditável, como nós já sabemos, ele gostava de fazer os seus “teatrinhos” como o Castello diz no Poeta da Paixão. Ele desmaiava de vez em quando para se livra dos “Chatos-Depois”. Será que VM chegou ao ponto que sentia que o mundo inteiro estava a tornar-se um pouco chato de mais? Só VM é que sabe. Para mim eu acho que de qual quer forma o VM morreu naquele dia, porque se ele mesmo fingiu a sua própria morte, ele nunca mais poderia viver com os seus amigos em sua volta, nem poderia amar à sua vontade pensando sempre na vida que tinha, sempre nas coisas que lhe faziam feliz, Sem os amigos, sem a família, sem amores não havia mais paixão e VM não poderia viver sem paixão. Para VM a falta de paixão era como falta de ar, ele não conseguia viver sem paixão. Ele pode não estar morto mas ele também não está a viver.


    2. A Música Popular entra no Paraíso: Gostei imenso de ler esta pequena historia escrita pelo Drummond. A primeira linha dá-nos uma boa descrição do poeta “Quem é este baixinho que vem aí, ao som do violão, de copo cheio na mão?” É Vinicius, só pode ser Vinicius. É impressionate da maneira que a personagem de São Pedro apresenta o VM a Deus “simpatia e delicadeza.....compôs os cânticos profanos que, elevando o coração dos ouvintes, fazem o mesmo que os cânticos sagrados.” São Pedro (Drummond) põe o VM num pedestal mas depois não pode mentir a Deus tem que lhe dizer a verdade sobre a vida que o Vinicius escolheu “Este poetinha escolheu a segunda por inclinação natural e manifestou à sua maneira própria o amor à humanidade..... ” como quem diz, ele não escolheu o caminho certo mas não fui a sua culpa, mas ele conseguiu a fazer muitos felizes. É cómico e bonito ao mesmo tempo! O último diálogo de São Pedro é tão bonito e fala tudo sobre o VM e as suas obras “E para isso não precisava sempre compor canções alegres. Ia até o fundo das canções tristes, mas dava-lhes uma tal doçura e meiguice que as pessoas, ouvindo-as, não sabiam se choravam ou se viam consoladas velhas mágoas. Era um coração se desfazendo em música, Senhor.” As canções que VM compôs são bonitas e diferentes, a escolha de palavras, o rimo, pendem o nosso coração.

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  23. 3. Poemas, Sonetos e Baladas 1946- Outubro 29-Ségio Milliet pg 157: Quando falamos de Vinicius de Moraes quase sempre pensamos primeiro nos poemas amorosas que ele escreveu porque muitos pensam VM passou a sua vida só a namorar e beber uísque mas VM reparava no que estava acontecendo à sua volta. Ele conhecia bem a vida o que era e também o que era o nosso objectivo na vida. No “Poema de Natal” VM sumariou com delicadeza e também com realismo: “Para isso fomos feitos:/Para lembrar e ser lembrados/Para chorar e fazer chorar/Para enterrar os nossos mortos-/ Por isso precisamos velar/Falar baixo, pisar leve, ver a noite dormir em silêncio/....” e depois na ultima linha “Para ver a face da morte-”. Eu li este poema varias vezes e as palavras deu-me um consolo profundo. Era bom se todos pensassem na vida assim. Hoje em dia fazemos as nossas vidas tão complicadas se todos viviam a vida com a simplicidade deste poema, havia menos stress!
    4. Poemas, Sonetos e Baladas 1946-A Balada do Poeta Pródigo-Wisnik- pg 148: O Wisnik comenta que “Ninguém duvidaria que a mulher está no ponto crucial de toda a poética de Vinicius, e que é delas que ele espera a salvação e o abismo, o incêndio redentor.” Concordo com ele, imaginamos se VM não se casou nem namorou tantas vezes, ele só poderia ter publicado metade dos poemas que publicou. Mas VM iria ser sempre um grande poeta porque ele tinha paixão, paixão é que lhe fez um grande poeta. Ele tinha paixão pela vida, pelos amigos, pela música. As paixões dele elevou-o à grandeza. Lebrum diz No conceito de Paixão ,“Nada de grande se fez sem paixão.” Sem paixão não somos nada temos que ter alguma paixão. O VM foi um grande poeta porque ele tinha muitas paixões não porque ele tinha muitas mulheres.
    5. Folha Explica-Vinicius De Moraes: Na pagina 30 Ferraz comenta um comentário que António Cândido faz sobre VM, ele “observa com precisão que a poesia de Vinicius tem a “capacidade de se apegar às coisas pequenas e humildes para lhes dar uma gravidade que não vem do tom, mas da estrutura latente de paradoxo que enforma sua poesia.” É isso mesmo que faz VM um bom poeta. Ele usa coisas tão simples coisas que nós todos podemos imaginar simplesmente e usa sentimentos que nós todos conhecemos, amor, tristeza, saudade etc. e põe-nos num poema que cria um imagem na nossa mente e um sentimento no coração que é inesquecível!

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  24. Foi Vinicius um “Purista”?
    Segundo Jose Miguel Wisnik, no texto “ A balada do Poeta Pródigo” a obra de Vinicius não foi criada a partir do uso de um estilo “uno”, mas sim pelo uso de uma estratégia de escrita “integra, fluente e cristalina” que impressionava pela riqueza de conteúdo, contrastes, precisão, e uso de metáforas. Vinicius não se limitou a uma conduta purista que viesse a delimitar o conteúdo da sua obra, mas abraçou uma abordagem que traísse “ciclicamente todos os purismos” geralmente presentes em obras poéticas de sua época.
    Vinicius também não estava preocupado em manter a mesma abordagem literária ao longo do tempo, mas permitia a si mesmo aventurar-se no processo de criação poética haja vista que “em Vinicius de Moraes, tudo que se acumulava logo se dissipava.” Às vezes me pergunto se essa despreocupação, às vezes até negação de um estilo uno, o levou a procurar parcerias tão diferentes, em todos os sentidos, ou se o encontro com esses parceiros ao longo de sua vida acabou por torná-lo em um artista tão despregado de um único estilo.

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  25. Como Vinicius calcula a “energia” da Paixão e do ódio?
    No poema “A Bomba Atômica”, comentado por Eucanaã Ferraz na obra “Vinicius de Moraes” podemos ver a beleza com que Vinicius constrói uma bela poesia usando como metáfora a equação que Albert Einstein usou para calcular a energia de um evento,usado mais tarde como ponto de partida para a construção da bomba atômica.A fórmula e=mc2, significa que energia é igual a massa vezes a velocidade da luz ao quadrado, ou seja qualquer corpo que atingir a velocidade da luz ao quadrado se desintegra gerando apenas energia e esta energia pode quebrar barreiras do tempo. Fico imaginando como é que surgiu a ideia de fazer um poema tão belo a partir de tamanha catástrofe.
    “A Bomba Atômica”de Vinícius ” pode ser interpretada de várias formas, como demonstrado por Ferraz, que passa de uma bomba a uma música, a uma deusa,a uma mulher,a um anjo,a uma flor ou a paixão. A “bomba atômica” de Vinicius expressa sentimentos antagônicos como a felicidade e a tristeza, a vida e a morte, a criação e a destruição, a paixão e o ódio.
    No meu ponto de vista, a fórmula de Einstein pode ser muito bem associada à paixão de Vinicius. A fórmula diz que qualquer corpo que atingir a velocidade da luz ao quadrado se desintegra gerando apenas energia, e esta energia pode quebrar barreiras do tempo. Talvez ele tenha pensado que as suas paixões, tão avassaladoras, tão intensas teriam “atingido a velocidade de luz” e se transformado em pura energia mística e espiritual.

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  26. Concordo plenamente com o conto de Carlos Drummond de Andrade, “Vinicius Sumiu. Para Onde? Acredito que todo brasileiro tem essa sensação de que Vinicius ainda está vivo, claro que tivemos muitos outros poetas, compositores cantores de muito sucesso que marcaram uma época, morreram e deixaram muita saudade, mas Vinicius, além de marcar uma geração, continua presente nas novas gerações.
    Num depoimento a Vinicius de Moraes, Calazans Neto, num cd de comemoração dos 90 anos de Vinicius, fala do que Vinicius significou para a sua época, para a poesia e mesmo para a história do Brasil e diz, quase que num suspiro, que veremos o que é que será falado do Vinicius no futuro. Acho que podemos dizer que Vinicius viverá em nossos corações “brasileiros” pelo menos por “muito tempo”. Não vejo como se falar em música brasileira sem se referir a Vinicius, desde cedo ensinamos nossas crianças a gostarem de Vinicius nas muitas canções de Vinicius e Toquinho. Vinicius foi capaz de refletir as ideias de sua época, seja em forma de poemas, seja em suas canções, mas sem se deixar limitar pelas ideologias que permeavam a sua geração, e isso o faz um poeta sempre “na moda.”

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  27. Vinícius e a crítica.
    Sendo o tema principal da semana a questão da crítica académica e a sua relação com a obra e a vida de Vinícius, vou dedicar este post a isso, fazendo algumas reflexões sobre o porquê da ausência de Vinícius no contexto académico. Estas reflexões são produto, claro, das leituras e estão condicionadas pelo meu conhecimento não muito profundo da sociedade brasileira. Por exemplo, se o que estivesse em causa fosse o aparente desinteresse da crítica em relação à obra de Ary dos Santos – não quero com isto fazer qualquer comparação entre um e o outro no que diz respeito à obra, embora seja evidente que ambos partilham dois aspectos importantes: os dois escreveram poesia e letras ao mesmo tempo e os dois têm sido pouco visados pela crítica – seguramente eu poderia falar com mais conhecimento de causa, uma vez que estou consciente que o mundo académico em Portugal é ainda extremamente elitista e convive mal com algumas formas artísticas que considera, infundadamente, menores, distinguindo, no processo de estabelecimento das fronteiras da alta e da baixa culturas, entre poesia e letras de canções. Uma vez que o que está em questão aqui é a obra e a fortuna crítica de um brasileiro, aquilo que vou dizer são apenas conjunturas a partir das nossas leituras. De qualquer forma, talvez até o que disse em relação a Portugal se aplique também ao Brasil. Outros que o digam...

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  28. Vinícius, como já falámos, e como já muitos também observaram, não tem sido um poeta focado frequentemente pela crítica. Pela crítica académica, para ser mais exacto. No entanto, como as leituras passadas sublinham, Vinícius é uma figura extremamente popular, e mesmo amada, quer no Brasil, quer fora do Brasil. Basta lembrar, para o comprovar, do texto de Drummond, ou das palavras da Analia no comentário anterior. Curiosamente, e tendo como base as leituras que temos vindo a fazer, penso que esta diferença quase abismal entre a importância que Vinícius tem para muitos não-críticos-académicos – e o próprio alcance das suas palavras através da música – e a aparente ausência de leituras académicas da sua obra estão interligadas. Pelo menos é o que me parece. Ora então vejamos algumas das passagens que lemos recentemente. Eucanaã Ferraz observa, logo na introdução: “Fala-se muito do poeta, mas lê-se insuficientemente a sua poesia; sabemos de cor alguns dos seus versos antológicos, mas não raro estancamos ali, sem seguir adiante, ou, se avançamos com a atenção devida, nem sempre nos arriscamos em textos menos consagrados; ao ouvir as suas canções, somos tomados por uma tal beleza que nos parece desnecessário pensar sobre elas ” (8). Esta visão do artista Vinícius assemelha-se, como me parece relativamente evidente, mais àquela que o público tem de um músico ou de outro artista mais mediático do que aquela que ele, o público, forma, em geral, de um escritor ou de um poeta. Normalmente a relação do público com um escritor é, penso eu que o podemos afirmar, menos emotiva (salvo raras excepções imagino, embora não me consiga lembrar de nenhuma), menos dada à criação de uma espécie de mito mediático, como em certa parte a figura de Vinícius é. Isto faz-me pensar que não podemos desligar a imagem do poeta Vinícius da figura do letrista; ou seja, não podemos desligar o poeta do seu envolvimento com a música popular, o que, aliás, Ferraz sublinha. Dessa aura de Vinícius, e das origens e consequências, Ferraz fala mais à frente, poucas linhas depois: “Vinícius de Moraes é um poeta sob muitas histórias. Assim chegar até ele exige atravessar a densa camada de narrativas que acabou por constituir uma espécie de mitologia: o homem e suas emoções desenfreadas, os muitos casamentos, os numerosos amigos, a boémia, seu desprendimento, seu romantismo . . . . Sem grande esforço, podemos considerar que tal mitologia resulta simplesmente da popularidade de Vinícius, e que esta é menos uma consequência de seu trabalho como poeta que o resultado de sua atuação como letrista” (9). Desta forma, se tomarmos as palavras de Ferraz como espelho da realidade, podemos concluir que a grande aclamação que a obra de Vinícius teve, e tem, entre o público em geral está intrinsecamente ligada ao aspecto da sua obra que, penso eu, a tem afastado da crítica académica: o facto de ter escrita em tão grande escala para a música popular e de se ter envolvido nos seus movimentos. Se não fosse pela música, Vinícius talvez não tivesse chegado a tanta gente e de forma tão forte; se se tivesse dedicado só à poesia talvez hoje já tivesse sido objecto de muita crítica, mas de menos paixão do público. Se não fosse a música, provavelmente o mito em que Vinícius se tornou não tinha sido construído. É inegável que a música chega mais longe, em termos de público, que a poesia, e que o mundo mediático permite muito mais facilmente criar figuras célebres no mundo da música do que no mundo da poesia. Foi por estar envolvido na música que as suas palavras e a sua figura chegaram a tantas pessoas; e, ao mesmo tempo, é por causa da música, talvez, que as suas palavras tendem a não chegar à crítica académica.

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  29. Sinceramente parece-me que Vinícius preferiu chegar a toda essa gente e deixar a crítica para trás. No entanto, acaba por ser triste que assim seja. Talvez no dia em que o Bob Dylan ganhe, finalmente, o nobel, depois de já ter sido nomeado algumas vezes, as academias no Brasil, em Portugal, e noutros sítios, deixem para trás alguns dos seus preconceitos e essa distinção que eu nunca compreendi realmente entre poema e letra!

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  30. Vontade de ler.
    Muito bacana o blog, sigo.

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